O globo, n. 31841, 10/10/2020. Economia, p. 25

 

Aliança sem benefícios

Eliane Oliveira

10/10/2020

 

 

Brasil deixa de vender US$ 676 milhões com barreiras dos EUA

A proximidade entre os governos Bolsonaro e Trump ainda não resultou em ganhos comerciais. Estudo mostra que o país deixa de vender US $ 676,5 milhões por ano devido às barreiras impostas pelos EUA, que chegam a 162 produtos. O montante supera o valor das exportações da indústria brasileira ao país.

A aliança estratégica com Washington ainda não trouxe ganhos comerciais para o Brasil, que deixa de exportar US $ 676,5 milhões por ano devido às barreiras comerciais aplicadas pelos Estados Unidos. Esse montante supera em cerca de US $ 40 milhões o que foi vendido de aeronaves e equipamentos ao mercado americano no ano passado, por exemplo, e é US $ 10 milhões superior ao que foi exportado pelas indústrias de manufatura para os EUA. O valor também é 2,5 vezes maior que o volume das exportações americanas alcançadas, anualmente, por medidas restritivas adotadas pelo governo brasileiro, de US $ 266 milhões. Os números são de levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), repassado exclusivamente ao mundo. Hoje, são 14 as medidas brasileiras em vigor contra os Estados Unidos - uma suspensa e duas em revisão. Por outro lado,

 CNI: APOIO A EXPORTADORES

As medidas brasileiras concentram-se em 19 produtos, enquanto as norte-americanas atingem 162, ou 853% a mais. Quase metade deles foi aplicada em 2016, antes de o presidente Donald Trump assumir. Outras saíram ou foram renovadas já no governo Trump, com prazos que vão até 2025. Segundo o estudo, as medidas brasileiras estão concentradas nos direitos antidumping, que buscam evitar que os produtores nacionais sejam prejudicados por importações feitas a preços. abaixo do custo de produção. Por outro lado, os Estados Unidos usam tanto medidas antidumping quanto compensatórias - isto é, para compensar os subsídios concedidos pelo governo brasileiro.

Dos quatro produtos brasileiros, os Estados Unidos aplicam essas medidas em dobro, ou seja, medidas antidumping e compensatórias. São eles: fundidos para construção, laminados a frio, laminados a quente e ligas de aço.

Outros produtos brasileiros afetados são papel não revestido, acessórios para tubos de soldagem, borrachas e cabos de aço para concreto armado. - O governo brasileiro deve apoiar os exportadores brasileiros considerados alvo de investigações de defesa comercial no exterior de forma clara e objetiva. Isso inclui a divulgação de informações sobre essas medidas e a condução de uma gestão de alto nível para avaliar a consistência dessas medidas em relação às regras internacionais. A defesa comercial é um direito de todos, desde que respeitem os compromissos do

OMC (Organização Mundial do Comércio) - disse o diretor de desenvolvimento industrial da CNI, Carlos Eduardo Abijaodi.

Globalmente, de janeiro a setembro deste ano, as vendas para os EUA caíram 31,5% em relação ao mesmo período de 2019. O Brasil registrou déficit de us $ 3,124 bilhões, segundo o Ministério da Economia. Para especialistas ouvidos em todo o mundo, não importa quem vencerá as eleições de novembro, seja Trump ou o democrata Joe Biden, os americanos continuarão sendo protecionistas. —Além da retórica de Trump, as relações dos EUA com o Brasil são guiadas pelo pragmatismo que coloca os interesses domésticos acima de tudo. Além disso, a proximidade entre os dois presidentes não ultrapassou algumas visitas e trocas de elogios em situações específicas, principalmente do lado americano. Ao contrário do que quer Bolsonaro, não somos os principais parceiros dos EUA. O que existe é uma afinidade entre estilos de liderança e agendas políticas - destaca Carolina Pavese,

 BIDEN TERÁ NOVA DINÂMICA

Carolina alerta, porém, que algumas coisas podem mudar: - ao contrário de Trump, Biden não compartilha do estilo de liderança do Bolsonaro e tem um programa de governo que inclui agendas que o governo brasileiro tem ignorado: direitos humanos e meio ambiente são os principais. Essas diferenças indicam que não devemos esperar de Biden a mesma troca de carinhos com o Brasil que testemunhamos com Trump. Deve haver uma distância maior. Ex-embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur lembra que o Brasil há muito é prejudicado por várias barreiras. Isso porque os americanos competem com exportadores brasileiros de produtos agrícolas, inclusive na China.

- Em acordo preliminar e temporário no contexto da guerra comercial desencadeada por Trump, a China concordou em aumentar a compra de produtos como soja, açúcar e carnes dos Estados Unidos, em detrimento do Brasil. Já está claro que com Trump o Brasil "entregou" muito mais do que recebeu. E o pior é que Biden também é protecionista. E terá uma postura muito dura em relação ao Brasil em questões fundamentais para o internacional comunidade hoje, como mudanças climáticas, preservação da Amazônia, direitos humanos - diz Abdenur.