Valor econômico, v. 21, n. 5125, 11/11/2020. Internacional, p. A12

 

Impeachment eleva risco econômico no Peru

Marsílea Gombata

11/11/2020

 

 

Incerteza política pode pesar negativamente sobre a retomada econômica no curto prazo e na confiança de empresários e investidores

O impeachment do presidente do Peru, Martín Vizcarra, mergulhou o país numa incerteza política que ameaça a recuperação da economia no curto prazo e pode minar a confiança de empresários e investidores, afirmam analistas. Isso porque são grandes as chances de o governo de Manuel Merino, presidente do Congresso, que assumiu a Presidência como interino, ficar refém de parlamentares.

Acusado de receber propina de US$ 630 mil quando era governador de Moquegua, Vizcarra foi afastado pelo voto de 105 dos 130 deputados na segunda-feira à noite. O impeachment, que ocorre a cinco meses das eleições, é fruto de uma combinação de fatores, diz Nicolás Urrutia, da consultoria Control Risks. “Por um lado, a investigação contra Vizcarra andou e novas evidências, como mensagens de WhatsApp, surgiram. Por outro, Merino conseguiu apoio de congressistas que têm interesse em se blindar da agenda anticorrupção de Vizcarra e adiar as eleições, de modo que consigam prolongar também sua imunidade.”

Ao assumir ontem, Merino disse que o calendário eleitoral está mantido. Urrutia, no entanto, afirma que isso pode mudar se o presidente interino for pressionado pelos parlamentares.

A saída de Vizcarra gerou tensão nos mercados. A moeda peruana caiu 1% em relação ao dólar, atingindo o menor patamar em 18 anos, segundo a Bloomberg. Bônus peruanos de longo prazo caíram 2,65 centavos por dólar, para o menor nível em cinco meses.

“Uma das nossas preocupações para as perspectivas de recuperação econômica no curto prazo é a mudança abrupta de governo. Nessa situação, tanto o gasto púbico quanto o investimento tendem a sofrer”, afirma Pamela Ramos, da consultoria Oxford Economics. “Embora o Peru possa ser elogiado por sua implacável disciplina macroeconômica, a política continua sendo seu calcanhar de Aquiles.”

O Peru foi a economia da América Latina que mais sofreu com a pandemia. No segundo trimestre, com o PIB peruano contraiu-se 30,2%, na comparação anual. A Oxford Economics prevê queda de 12,5% do PIB do Peru neste ano. Para 2021, o Fundo Monetário Internacional prevê expansão de 7,3%.

“Se a atual instabilidade da política peruana persistir, começaremos a ver efeitos negativos na economia e na confiança de empresários e investidores”, afirma Nicholas Watson, da consultoria Teneo. “No melhor dos cenários, as eleições do ano que vem podem ajudar a encerrar esse período turbulento dos últimos cinco anos.”

Merino, empresário do setor agrícola de 59 anos, é o terceiro presidente do Peru em menos de cinco anos. No discurso ao Congresso, ontem, ele pediu união e disse que seu governo se concentrará em lidar com as crises econômicas e de saúde. "Existem más intenções de tentar dividir o país, e não vamos permitir", disse.

Sua posse foi marcada por protestos em várias cidades. Em Lima, a poucas quadras da cerimônia, manifestantes protestavam contra o que chamam de “golpe de Estado disfarçado” e diziam que Merino não era o presidente.

Pesquisa Ispos recente indicava que 78% dos peruanos eram contra o impeachment de Vizcarra. “O Congresso afastou um dos presidentes mais populares do Peru nas últimas décadas. E isso terá um custo eleitoral para esses parlamentares em abril”, diz Urrutia.