O globo, n. 31842, 11/10/2020. Economia, p. 27

 

Investir para destruir

Ramona Ordoñez

11/10/2020

 

 

“Aposentadoria” de plataformas abre mercado de até R$ 90 bi em dez anos 

A construção de uma plataforma para produção de petróleo no mar sempre foi sinônimo de orçamentos altos e muitos empregos pela complexidade dos projetos. Mas quando ela tem que sair de cena, a sua destruição também demanda investimentos e abre oportunidades. Um consultoria internacional Wood Mackenzie aponta que a transformação de milhares de toneladas de aço de plataformas em sucata desponta como um mercado promissor no Brasil. Deve movimentar entre US$ 14,5 bilhões e US$ 16 bilhões —quase R$ 90 bilhões —até 2029. Uma plataforma de petróleo tem vida útil de cerca de 25 anos, que pode ser estendida por mais algum tempo com reformas.

De acordo como estudo, pelo menos 102 unidades (31 flutuantes e 71 fixas) devem ser “aposentadas” ao longo desta década no país. Pode parecer um contrassenso referir-se à destruição de uma plataforma como investimento. Mas, como a retirada de operação delas envolve uma série de procedimentos estabelecidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) em conjunto com Ibama e Marinha, as petroleiras precisam prever um orçamento considerável para este momento. As exigências da regulação, renovada em abril, abrem oportunidades para uma série de prestadores de serviço, da engenharia aos rebocadores, e envolvem principalmente os estaleiros.

GARGALOS NOS ESTALEIROS

Enquanto a primeira etapa de desmonte no mar, onde a unidade produz, deve ser feita por empresas internacionais especializadas, desmantelamento e reciclagem podem ocupar estaleiros no país, ociosos desde a quebradeira pós Lava Jato e o freio nas encomendas da Petrobras.

A ANP prevê que, só nos próximos cinco anos, pelo menos US$ 5 bilhões (R$ 26 bilhões) serão investidos em descomissionamentos, como é chamado o desmonte dessas unidade sede todos os equipamentos instalados no fundo marem torno delas. Masas cifras podem ser maiores. A agência já aprovou processos de descomissionamento de 21 sistemas de produção e outros 14 estão em análise. A Petrobras anunciou recentemente que investirá ao menos US$ 6 bilhões( cerca de R $33 bilhões) em descomissionamentos até 2024. Segundo a estatal, 18 de suas plataformas sairão da operação nos próximos anos. Algumas têm mais de 40 anos.

A ANP diz que as regras visam ao maior número possível de atividades no Brasil, mas Fernanda Pedó, analista de Pesquisa para a América Latina da Wood Mackenzie, tem dúvidas quanto à capacidade de execução de todos esses serviços no país no primeiro momento:

—Acredita mosque as unidades flutuantes, acurto prazo, sejam mandadas para estaleiros de descomissionamento asiáticos, porque os diques secos aqui no Brasil ainda não sã otão grandes para recebê las. E também falta uma definição para o descarte de algunsmateriais, como o radioativo, que ainda não tem uma destinação muito certa. Pode ser um gargalo.

Segundo a ANP, a regulamentação prevê a retirada total de resíduos e o tratamento desses materiais, sendo o tratamento do crustáceo coral solde competência do Ibama e o de resíduos radioativos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). O número de unidades perto da aposentadoria faz do Brasil o terceiro maior mercado da indústria mundial de desmonte de plataformas de petróleo, que somará US$ 104,6 bilhões até o fim da década. O país só deve ser superado pelo Reino Unido, que vai gastar US$ 23 bilhões no período. Os EUA terão demanda similar à do Brasil: US$ 14,7 bilhões.

FRAGILIDADE FINANCEIRA

As cifras podem estimular estaleiros brasileiros a se preparem melhor, mas o problema é que estão financeiramente muito fragilizados. Sérgio Bacci, vice-presidente do Sinaval, que reúne as empresas do setor, diz que, sem perspectivas de encomendas de novas embarcações para a indústria de petróleo, o desmantelamento pode até ajudar, mas não é solução para a crise dos estaleiros:

—Não resolve, porque o estaleiro foi feito pra construir, não para destruir, mas ajuda — diz Bacci, que cita dificuldades tributárias e no custo de mão de obra e cobra incentivos dos governos federal e estaduais para que estaleiros tenham condições de competir nesse novo mercado. No Estado do Rio, 17 plataformas estão perto da “aposentadoria” na Bacia de Campos, no Norte Fluminense. Karine Fragoso, gerente de Petróleo, Gás e Naval da Federação das Indústrias do Rio (Firjan), está otimista com os negócios e empregos que os descomissionamentos podem gerar em vários setores, como os de projetos de engenharia, análises de riscos e socioambientais, movimentação de cargas, montagem de andaimes e suportes, serviços de corte e solda, inspeção submarina e gerenciamento de resíduos.

— Há uma série de serviços que podem ser dinamizados e se especializar. Isso é o início de um ciclo longo —diz ela. Maurício Almeida, diretor da Sigma Consultoria e Perícia, também vê chance para a capacitação de empresas: —É uma oportunidade não apenas para o surgimento de novas empresas de engenharia especializadas, mas também para as que hoje estão subutilizadas, como os estaleiros. Poderiam se adaptar a esse novo tipo de serviço construindo centros de desmantelamento. E ter uma unidade de tratamento do material radioativo no Brasil é fundamental.