Valor econômico, v. 21, n. 5126, 12/11/2020. Brasil, p. A6

 

Com disparada de alimentos, inflação da baixa renda acelera

Gabriel Vasconcelos

Bruno Villas

12/11/2020

 

 

Ipea calcula que, no ano, taxa para essa faixa de renda vai encostar em 5,5%, teto da meta do IPCA

A inflação para a faixa mais pobre da população deverá superar substancialmente a meta de 4% estabelecida pelo Banco Central para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2020. A diretoria de macroeconomia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirma que o avanço dos preços às famílias mais pobres, com renda média de até R$ 1.650,50, deve ficar “bem próximo” do teto da banda de tolerância, de 5,5%. Para esse grupo, a inflação acumulada no ano até outubro está em 3,5%.

Em outubro, informou ontem o Ipea, a inflação dos mais pobres avançou 0,98% pelo segundo mês consecutivo, novamente puxada pela alta dos alimentos. Economista do instituto, Maria Andreia Lameiras diz que, para este ano e até o fim do primeiro trimestre de 2021, não há sinal de que esses preços venham a arrefecer.

As previsões são corroboradas pelo economista André Braz, da Fundação Getulio Vargas (FGV), responsável pelo índice de Preços ao Consumidor - Brasil (IPC-Brasil), que considera famílias com até 33 salários mínimos mensais, mas é desagregado em classes de renda. Nesse caso, os índices à chamada classe 1, que recebe até 2,5 salários mínimos, ficou em 0,71% em outubro e 4,54% em 12 meses, ambos acima do índice geral.

Lameiras reitera a inflação junto aos mais pobres se deve principalmente à alta desenfreada dos alimentos, que ocupam parte maior do orçamento nesse grupo. Os alimentos respondem por 60% do índice, nesse caso, refletindo o aumento de preço de itens como arroz (13,4%), batata (17%), tomate (18,7%) e o óleo de soja (17,4%). Nos indicadores da FGV, o peso dos alimentos para a classe 1 é de 23,7% e de 19,4% no índice geral.

“Esse movimento está ligado ao aumento dos preços de itens de alimentação básica e vai continuar forte até pelo menos o começo de 2021. Tem produto com a inflação acumulada batendo na casa dos 50% no ano. E eles ainda vão seguir encarecendo um pouco até o março ou abril do ano que vem, quando começam as colheitas e a oferta aumenta”, diz Lameiras.

A especialista adverte que, mesmo com a previsão de uma safra maior no ano que vem, o efeito sobre a oferta tende a ser contrabalanceado por um câmbio que seguirá desvalorizado, favorecendo a exportação de grãos. A estabilidade de preços só virá de forma sustentada com a acomodação da demanda, quando outros países produtores também ampliarem suas safras, afirmou.

Também corrobora a previsão do Ipea, a falta de sinais de arrefecimento nos preços de outros itens de peso no orçamento dos mais pobres, como energia elétrica e ônibus urbano. No mais, destacou Lameiras, todos os índices de preços ao produtor seguem apontando aceleração de preço. “Isso continuará sendo repassado”, afirmou.

Os mais ricos, por seu turno, como pulverizam mais seus rendimentos, consumindo relativamente mais serviços e produtos industrializados, foram menos afetados pela disparada dos alimentos. Para essas famílias, com renda superior a R$ 16.509,66, a inflação acelerou de 0,29% em setembro para 0,82% em outubro. A alta está ligada ao comportamento dos preços do grupo transportes, impactado pelos reajustes de 39,8% das passagens aéreas e de 0,9% dos combustíveis. Com isso, diz o Ipea, o índice acumulado para essa faixa da população alcançou 1,04%.