Título: Brasil x Itália: Bate-boca nas preliminares
Autor: Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 13/03/2013, Mundo, p. 18

O brasileiro dom João de Aviz troca farpas com o poderoso camerlengo, Tarcisio Bertone

Uma discussão entre o cardeal emérito de Brasília, dom João Braz de Aviz, e o cardeal camerlengo, o italiano Tarcisio Bertone, ganhou as páginas da imprensa italiana e deixou entrever as divisões expostas nas Congregações Gerais — as reuniões prévias ao conclave, com participação de todos os cardeais presentes no Vaticano. Na última dessas sessões, na manhã de segunda-feira, Bertone, ex-secretário de Estado do Vaticano, repreendeu o brasileiro, que é prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, pelo discurso feito no sábado. Nele, segundo os jornais La Repubblica e La Stampa, dom João de Aviz teria arrancado aplausos dos pares com críticas à Cúria Romana e a cobrança de transparência a respeito da situação do Instituto para Obras da Religião (IOR, conhecido como Banco do Vaticano).

Acusado de ter vazado para os jornalistas informações sobre os debates nas Congregações Gerais, o brasileiro rebateu afirmando que as informações poderiam ter sido filtradas "pela organização". Recém-chegado à Santa Sé, dom João conquistou espaço considerável, mas não é visto como "curialista" e parece ter refletido o descontentamento de numerosos cardeais com Bertone, que concentrou vastos poderes durante o pontificado de Bento XVI.

Descentralização administrativa e transparência nos negócios do IOR foram temas de diversas intervenções ao longo das reuniões preparatórias. Cardeais reclamaram informações sobre as circunstâncias que cercaram a demissão do diretor do banco, Ettore Gotti Tedeschi. Uma semana antes, ele teria comunicado a Bertone a intenção de implantar mudanças. Na época, Tedeschi disse à agência Reuters que havia "pagado pela minha transparência".

O cardeal nigeriano John Olorunfemi Onaiyekan aumentou a pressão pública em entrevista concedida na segunda-feira à emissora de TV italiana La7. "O IOR não é essencial para o ministério do Santo Padre. Eu não sei se São Pedro tinha um banco. O IOR não é essencial, não é sacramental, não é um dogma", afirmou, de acordo com o site do canal. O porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, confirmou que o camerlengo conversou sobre o IOR nas Congregações Gerais, mas limitou-se a dizer que o cardeal "foi conciso".

DIVISÕES As críticas de dom João à Santa Sé expõem a distância entre ele e outros dos cinco brasileiros que participam do conclave. Tido como mais próximo à Cúria, o arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, teria discursado em favor da gestão das finanças da Igreja. Citado insistentemente entre os papabili mais cotados para suceder Bento XVI, dom Odilo é um dos responsáveis pela supervisão do IOR, o que poderia ter dificultado uma maior aceitação de seu nome entre os 115 cardeais eleitores. Segundo o La Repubblica, a proximidade do brasileiro com o "partido romano" custou-lhe apoio: de 25 votos estimados pelos vaticanistas, ele teria passado para 18 em apenas um dia.

A falta de unidade entre os cardeais brasileiros não tinha escapado à atenção dos observadores. "Não me estranha que tenham opiniões diferentes e é bem provável que nem todos apoiem o arcebispo de São Paulo", analisa o padre Jesus Hortal Sánchez, professor da PUC do Rio de Janeiro. Hortal explica que as diferenças na formação e na origem dos religiosos se sobrepõem à nacionalidade comum.

Inicialmente ofuscado por uma articulação de peso em favor de dom Odilo, no início das Congregações, dom João voltou a ser visto como possível alternativa aos favoritos, na reta final do período pré-conclave. "Para o momento atual da Igreja, seria a melhor opção", arrisca o vaticanista italiano Luigi Sandri, 73 anos, que vê a escolha de um brasileiro como "quase obrigatória", caso os cardeais se inclinem por não eleger um europeu. Na opinião de um religioso que vive no Vaticano há mais de 10 anos, porém, o cardeal emérito de Brasília tem poucas chances de subir ao Trono de Pedro: "É um homem influente, mas desta vez vai ficar onde está".