Título: Começa a disputa real
Autor: Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 13/03/2013, Mundo, p. 18

A fumaça saiu negra na primeira votação do conclave, aberto com apelos à unidade da Igreja. A partir de hoje, os cardeais se agrupam em torno dos favoritos

Exorto-vos, pois, que leveis uma vida digna da vocação à qual fostes chamados, com toda a humildade e amabilidade, com grandeza de alma, suportando-vos mutuamente com caridade. Efésios 4, 1-2

Cidade do Vaticano — A decepção contida de alguns fiéis na Praça de São Pedro, ao avistarem a fumaça negra saindo da chaminé da Capela Sistina, no fim da tarde, foi o desfecho previsível do primeiro dia do conclave que elegerá o sucessor de Bento XVI, papa emérito desde o último dia 28. Como antecipara cautelosamente o porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, os 115 cardeais eleitores, trancados no recinto desde o início da tarde, não chegaram a um resultado satisfatório na primeira votação. Especialistas e hierarcas da Igreja consideram que a votação inicial funciona como uma prévia e seleciona os nomes com chances reais. Em torno deles, os eleitores começarão a se agrupar a partir de hoje.

O novo papa tem de ser eleito com no mínimo 77 votos, meta considerada difícil para o primeiro escrutínio, na ausência de um favorito claro entre os que dominam as listas dos vaticanistas — com destaque para o brasileiro dom Odilo Scherer e o italiano Angelo Scola. Na edição de ontem, o jornal italiano Corriere della Sera afirmou que Scola já contaria com o apoio de 50 cardeais.

A abertura formal do conclave foi a missa Pro eligendo Pontifice, celebrada de manhã pelo italiano Angelo Sodano, decano do colégio cardinalício. Impedido de participar da votação, por ter ultrapassado a idade-limite de 80 anos, Sodano fez da homilia um recado claro e direto para os eleitores, valendo-se de uma das leituras do texto evangélico definidas para a cerimônia.

Em 15 minutos de sermão, o decano não amenizou o discurso. Sem perder o tom sereno, pediu reiteradamente trabalho conjunto pela unidade da Igreja. Desde que Bento XVI anunciou a renúncia, em 11 de fevereiro, vieram à tona divergências na Cúria Romana, somadas aos já desgastantes escândalos de pedofilia e corrupção. Diante de centenas de turistas, fiéis, padres e freiras que lotaram a Basílica de São Pedro, Sodano sustentou a importância de o novo pontífice assumir uma postura de pastor. Antes, arrancou aplausos ao mencionar o “luminoso pontificado” de Bento XVI.

Os cardeais iniciaram a procissão de entrada pontualmente às 10h (6h em Brasília). Por detrás de cortinas, paramentados com vestes vermelhas, surgiram homens sérios, concentrados, a maioria com mãos postas e olhares voltados ao chão. O arcebispo de Nova York, Timothy Dolan, e o brasileiro dom João Braz de Aviz, destoaram na fila pelos sorrisos e cumprimentos. O único incidente do primeiro dia foi o italiano Antonio Maria Veglio ter passado mal e precisado de atendimento médico. Depois, ele se apresentou para o conclave.

Na ânsia de registrar as últimas imagens dos cardeais antes da eleição do novo papa, turistas ousaram subir nas cadeiras, com celulares, tablets e máquinas fotográficas ao alto. “Precisamos rezar. Diga a todos do Brasil que rezem”, pedia a irmã mexicana Esperança de Maria, 32 anos, que pretendia permanecer em vigília até a fumaça branca. “Maior que essa crise da Igreja é a crise de fé das pessoas”, completou. No meio da Praça de São Pedro, uma família cearense erguia cartaz em campanha por um papa brasileiro. “Está na hora de mudar, não dá para ser sempre europeu”, reivindicava o advogado André Almeida, 27, porta-voz do grupo.Osservatore Romano/AFP Os 115 eleitores tomam os lugares, emoldurados pelos afrescos renascentistas da Capela Sistina: impasse e divisão no Vaticano.