O globo, n. 31845, 14/10/2020. País, p. 4

 

Desalinho na revisão de prisões

André de Souza

Victor Farias

14/10/2020

 

 

 Recorte capturado

Maioria do STF já contrariou tese de Marco Aurélio Mello

 Sete dos outros nove membros do Supremo Tribunal Federal (STF) já tomaram decisões divergentes do entendimento do ministro Marco Aurélio Mello, que determinou a libertação do traficante André del Rap sob a alegação de que a prisão preventiva do criminoso não havia sido reavaliada no dentro de 90 dias. O Plenário da Corte julga o caso hoje.

Dos outros nove ministros, pelo menos cinco - Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Carmen Lucía e Edson Fachin - já tomaram decisões entendendo que os detidos têm direito a uma nova análise das prisões preventivas a cada 90 dias. Mas, ao invés de liberá-los, determinaram que os juízes responsáveis ​​pelo processo examinassem a necessidade de manter ou não a medida.

Luís Roberto Barroso e Luiz Fux - no caso do Presidente do Tribunal, ao tratarem da situação do traficante - apontaram questões como a periculosidade dos presos em mantê-los encarcerados. Com a aposentadoria de Celso de Mello, hoje são dez ministros da Corte.

Na decisão, posteriormente revogada por Fux, Marco Aurélio citou um trecho do pacote anticrime, aprovado no ano passado, determinando a necessidade de revisão da prisão preventiva a cada 90 dias, o que não teria acontecido no caso do traficante. Porém, quando o lançamento foi revisado, André del Rap já estava Livre, não foi recapturado e teve seu nome incluído na lista de procurados da Interpol. O que é definido hoje pelo Plenário do Tribunal valerá para a causa penal, mas servirá de precedente no julgamento de processos semelhantes.

A maioria dos ministros do STF tem entendimento diferente do de Marco Aurélio, mesmo os chamados “fiadores”, ou seja, dão maior peso aos direitos processuais dos acusados. Um deles é Lewandowski, que, em decisão tomada no início do mês, referiu que "o recluso arguido tem o direito de rever a necessidade da sua prisão preventiva a cada 90 dias", salvo que o descumprimento do prazo não conduza automaticamente a a liberdade. Toffoli, também designado fiador, proferiu decisão semelhante: negou habeas corpus, mas determinou avaliação de prisão preventiva.

Gilmar Mendes, outro da ala garantidora, ficou na mesma linha em decisão de 5 de maio. Ele avaliou que a intenção do Congresso, ao aprovar a mudança na legislação, era "garantir ao preso o direito de ter sua prisão regularmente analisada, a fim de evitar prisões processuais prolongadas sem necessidade". Mas ele também ressaltou que a melhor solução seria determinar que o juiz ou tribunal responsável pelo caso reavalie a necessidade de prisão.

Os ministros Edson Fachin e Carmen Lucía são freqüentemente vistos como juízes duros na Corte. Mas, como os companheiros fiadores, também determinaram o reexame das prisões. Em 22 de setembro, Carmen negou o pedido de soltura, mas entendeu que era "essencial" que a Equipe Criminal de Juazeiro do Norte (CE) avaliasse a questão.

Em maio, negando a libertação de um preso, Fachin determinou que o juiz de primeira instância faria uma nova análise do caso.

Ao tratar de dois casos distintos, um em março e outro em abril, Barroso avaliou que não houve ilegalidade flagrante ou abuso de poder que justificasse a soltura. Ele também destacou a situação de cada um dos presos. Um deles faria parte de uma organização criminosa armada altamente perigosa, e outro foi acusado de abusar sexualmente de um menino de seis anos. Portanto, manteve as detenções e até ordenou que um juiz de primeira instância reavaliasse a prisão preventiva.

Fux, ao suspender a decisão de Marco Aurélio, avaliou que a liberdade do traficante poderia causar sérios danos à ordem e à segurança.

A primeira turma do STF também já reverteu algumas decisões de Marco Aurélio, mas sem entrar em detalhes sobre a questão do prazo de 90 dias. Levantamento realizado pelo portal “G1” mostrou que o ministro acatou este ano pelo menos 79 pedidos de liberdade a mais com base no mesmo argumento.

CONDENAÇÃO MANTIDA

Ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que cabe ao STF "corrigir" a determinação que André del Rap libertou:

- Eu acho (a liberação) não foi a melhor decisão a tomar, por causa da periculosidade da marginal. O cara já saiu do mundo.

Em entrevista à Rádio CNN, o prefeito, Rodrigo Maia (DEMRJ), disse que não vê espaço para derrubar a mudança na legislação que trata da prisão preventiva.

"Tenho certeza de que a lei não é o problema naquele episódio", disse Maia.

Em outra decisão judicial envolvendo André do Rap, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a pena de 15 anos e 6 meses de prisão por tráfico internacional de drogas.