Valor econômico, v. 21, n. 5127, 13/11/2020. Brasil, p. A8

 

Bolsonaro ataca ideia de expropriar terra desmatada

Matheus Schuch

Fabio Murakawa

Rafael Walendorff

13/11/2020

 

 

Proposta cria mal-estar com vice-presidente, que diz que questão é apenas um estudo por enquanto

A ideia de expropriar terras de quem comete crimes ambientais, discutida no âmbito do Conselho Nacional da Amazônia, irritou o presidente Jair Bolsonaro, que ameaçou dar um “cartão vermelho” a quem tocar no assunto. O tema também gerou mais um mal-estar entre o presidente e o vice, Hamilton Mourão, que preside o conselho.

“Ou é mais uma mentira ou alguém deslumbrado do governo resolveu plantar esta notícia. A propriedade privada é sagrada, não existe nenhuma hipótese neste sentido. Se alguém levantar isso aí, eu simplesmente demito do governo. A não ser que esta pessoa seja indemissível”, afirmou o presidente, ontem, em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada.

Em outras oportunidades, Bolsonaro já havia dito que a única pessoa que ele não pode demitir é Mourão, já que foi eleito em sua chapa.

O desconforto do presidente com o tema começou após a reação de produtores rurais a reportagens que mostraram a ideia do governo de criar mecanismos para expropriar propriedades no campo e nas cidades com registros de queimadas e desmatamentos ilegais.

“Levantei cedo com muita gente do campo entulhando minhas redes sociais com essa proposta aí, que nem era para ser discutida”, acrescentou o presidente, ao falar pela segunda vez sobre o assunto em uma live em redes sociais. “Quem lutar por expropriação de terras ou desarmamento é cartão vermelho”.

A postura de Bolsonaro deixou Mourão desconfortável. Ao chegar em seu gabinete, no início da tarde, o vice tentou esclarecer a situação e colocou a culpa no que chama de “vazamento” mal-intencionado da proposta.

“Isso [documento] é um planejamento. Algum mal-intencionado pegou e entregou esse documento completo para um órgão de imprensa. É algo que está totalmente fora do contexto. Eu, se fosse o presidente, também estaria extremamente irritado”, pontuou.

Mourão afirmou aos jornalistas que considera este tipo de expropriação de terras “fora da legislação”, mas que caberia ao ministério responsável por esta área analisar a proposta.

“Eu me penitencio por não ter colocado um grau de sigilo nesse documento. Se eu tivesse colocado um grau de sigilo, a pessoa que vazou o documento estaria incorrendo em crime previsto na nossa legislação.”

A apresentação das metas para ordenamento territorial e monitoramento de ilícitos ambientais, presente no documento, diz que o governo quer criar a Agência Nacional de Terras por evolução do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), agravar as penas dos crimes contra o meio ambiente e “expropriar propriedades rurais e urbanas acometidas de crimes ambientais ou decorrentes de grilagem ou de exploração de terra pública sem autorização”.

O Ministério da Agricultura tem metas a serem cumpridas até dezembro. Uma delas é a decretação da Moratória da Terra. Questionada, a pasta não quis comentar, mas uma fonte disse ao Valor que o termo foi inserido de forma inadequada e que o propósito da ação é “garantir a destinação das terras públicas não destinadas, o efetivo ordenamento territorial e combater a grilagem e outras ilegalidades”.

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Presidente só deve cumprimentar Biden em dezembro

Fabio Murakawa

Matheus Schuch

13/11/2020

 

 

Bolsonaro pretende aguardar votação do colégio eleitoral americano

O presidente Jair Bolsonaro deve esperar até o próximo dia 14 de dezembro para cumprimentar o democrata Joe Biden pela vitória nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, disseram ao Valor fontes do Palácio do Planalto.

É nessa data que o colégio eleitoral, formado por 538 delegados, se reunirá para formalizar a vitória de Biden - embora tradicionalmente nos EUA o ganhador seja anunciado pela imprensa com base em projeções.

Aliado de Bolsonaro, o presidente Donald Trump não reconheceu a derrota, alegando ter havido “fraude” na votação, e interpôs uma série de ações na Justiça para anular a votação em Estados em que saiu derrotado.

Diversos líderes mundiais já cumprimentaram Biden pela vitória. Não foi o caso de Bolsonaro, que nas raras manifestações que fez sobre o assunto ainda trata a situação eleitoral nos EUA como “indefinida”. China e Rússia tampouco reconheceram oficialmente a vitória do candidato democrata.

Segundo interlocutores, Bolsonaro vem sendo aconselhado pelo chanceler Ernesto Araújo, o ministro mais alinhado a Trump, que insiste que as chances de vitória do republicano ainda não se esvaíram totalmente. Porém, o presidente tem consciência de que é praticamente impossível que Trump permaneça à frente da Casa Branca pelos próximos quatro anos.

Mesmo assim, ele vem cumprindo o papel de não reconhecer Biden - que ameaçou retaliar o Brasil por conta da devastação na Amazônia. Ontem no Palácio da Alvorada, ao responder uma fã que lamentava a derrota de Trump, Bolsonaro respondeu, entre risos: “Mas já acabaram as eleições?”

Na terça-feira, ao citar a fala de Biden sobre a Amazônia, o presidente soltou uma bravata: “Como é que nós vamos fazer frente a tudo isso? Apenas com a diplomacia não dá. Depois que acabar a saliva, tem que ter pólvora”.