Título: Santa inspiração
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Fonte: Correio Braziliense, 14/03/2013, Sucessão no Vaticano, p. 1

A escolha do nome Francisco transmite a ideia de ruptura e sugere que o novo papa poderá fazer grandes reformas durante seu ponficado

O argentino Jorge Bergoglio foi buscar em um dos personagens mais adorados do catolicismo a inspiração para seu nome. Pela primeira vez, São Francisco de Assis será associado a um papa. Especialistas consultados pelo Correio disseram que a escolha é forte, de ruptura e aponta para um pontificado de mudança e de abertura. Porta-voz do Vaticano, o reverendo Tom Rosica, confirmou que se tratou de homenagem a São Francisco de Assis. Mas especialistas lembraram que outro Francisco pode ter inspirado o eleito. Trata-se do espanhol Francisco Xavier, co-fundador da ordem dos jesuítas e que, no século 16, ajudou a expandir a Igreja Católica para a Ásia.

Ao santo católico de Assis estão associadas as ideias de pobreza, humildade, simplicidade e reconstrução. Palavras que podem ter profundo impacto quando colocados no contexto de grande demanda por mudanças na Igreja Católica. A escolha de Bergoglio remete à imagem de um reformador, de alguém que ajudou a recompor a Igreja quando ela estava absolutamente em crise, como explicou o professor de Ética e Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano. “A escolha é muito simbólica”, disse o especialista em pontificado e cristianismo.

A evocação de um reformador também foi considerada importante pelo professor William Portier, diretor do Departamento de Teologia Católica da Universidade de Dayton (Ohio, EUA). Ele mencionou ainda o alcance e apelo internacional da figura do santo, identificado com uma vida simples, preocupado com os pobres. “Ter São Francisco como patrono de seu pontificado é algo muito poderoso”, disse Portier. O simbolismo está ligado em outros momentos da história do santo. O sociólogo Luiz Alberto Gomez de Souza lembrou que o papa Inocêncio III (século 13), ao receber certa vez Francisco de Assis, reconheceu nele a imagem vista em um sonho em que uma pessoa segurava a Igreja e a impedia de cair. O próprio antecessor de Bergoglio, Bento XVI, contou a história de São Francisco, em 2010, como um exemplo para a Igreja. Ele lembrou que, certa vez, Cristo desceu da cruz e surgiu para Francisco de Assis na pequena igreja de São Damião e disse a ele: “Vá, Francisco, e reforme minha Igreja em ruínas”.

Para os analistas, a escolha do nome pode ser uma indicação do trabalho que Bergoglio pretende desenvolver à frente da Igreja. A decisão é vista como uma “mensagem poderosa” pelo professor de história e estudos religiosos Daniel Bornstein, da Washington University/St. Louis (Missouri, EUA). Para ele, “resta saber se a associação se converterá em políticas que facilitem as condições econômicas e espirituais dos mais pobres pelo mundo”.

Michele Dillon, diretora do Departamento de Sociologia da Universidade de New Hampshire (EUA), também vê na decisão do cardeal uma associação com um possível processo de reforma e abertura da Igreja. Francisco de Assis, membro de uma família da classe alta italiana, teve atitudes e posturas totalmente contrárias ao comportamento elitista da época, com o qual rompeu. “Talvez o papa Francisco esteja sinalizando que, embora pertença à elite hierárquica da Igreja, ele favorecerá reformas e queira o Vaticano aberto a revisitar algumas de suas práticas estabelecidas”, analisou.

Apesar da forte associação ao santo, os especialistas lembraram ainda outra possível fonte de inspiração, a do jesuíta Francisco Xavier. “Ele teve um papel muito grande na abertura da Igreja Católica para a Ásia e foi jesuíta, como o novo papa”, ponderou Gomez. Segundo ele, além da influência desses dois Franciscos na sua vida, Bergoglio demonstrou disposição para a ruptura ao escolher um nome que não está associado a nenhum papa anterior.

O teólogo Leonardo Boff, que disse ter feito a profecia da escolha há uma semana, em sua conta no Twitter, também considerou que Francisco pode dizer muito sobre os novos rumos da Igreja. “Porque Francisco não é um nome, é todo um programa de Igreja, uma igreja simples, sem poder, ligada aos pobres, com uma relação totalmente diferente com a natureza”, afirmou.