Título: Emoção e festa em buenos aires
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Fonte: Correio Braziliense, 14/03/2013, Sucessão no Vaticano, p. 1

A escolha do arcebispo Jorge Bergoglio nem sequer era cogitada pelos fiéis na capital argentina, que o aguardavam para as missas da Semana Santa

O anúncio da eleição do novo líder da Igreja Católica surpreendeu os fiéis, que acompanhavam palpites de vaticanistas e apostas feitas em casas especializadas. Pegou de surpresa inclusive os membros da arquidiocese de Buenos Aires, que se preparavam para rezar uma missa em homenagem ao novo papa, na Catedral Metropolitana da cidade, quando souberam que o pontífice eleito era o arcebispo argentino Jorge Bergoglio. “Ele viajou tranquilo, com passagem de volta para meados da próxima semana”, revelou Federico Wals, assessor de imprensa da arquidiocese, à France-Press. Ele contou ainda que a nomeação foi tão inesperada que cartazes já haviam sido espalhados pela cidade anunciando que o arcebispo rezaria as missas da Semana Santa. Centenas de pessoas compareceram à celebração feita ontem na catedral e comemoraram a escolha de um compatriota com uma prolongada ovação de aplausos. Muitos não contiveram as lágrimas e se abraçaram, relataram agências de notícias internacionais.

Nas redes sociais, milhares de argentinos expressaram desejos de boa sorte e de bem-vindo. “Alegria de o papa ser argentino” e “Orgulho de nossa pátria”, escreveram os católicos argentinos no Twitter e nos vários perfis criados no Facebook para representar o novo bispo de Roma. O prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri, usou a internet para parabenizar o papa Francisco. “Alegria e orgulho pelo grande papa que o mundo terá”, comemorou. A presidente Cristina Kirchner, com quem o pontífice mantém uma relação um pouco conturbada, enviou uma breve carta ao recém-eleito, na qual desejou “um frutífero trabalho pastoral desempenhando tão grandes responsabilidades em prol da justiça, da igualdade, da fraternidade e da paz da humanidade”. A presidente confirmou que vai à cerimônia inaugural de Francisco, em 19 de março, em Roma.

Força latina Em todo o continente americano, a resposta dos católicos ao nome escolhido foi de otimismo e entusiasmo. A decisão do conclave por Jorge Bergoglio colocou a Igreja sul-americana, que tem vasta experiência pastoral, no centro do Vaticano, o que deve influenciar o futuro da religião. “A América Latina se destacou nos últimos 40 anos com uma Igreja bastante comprometida com os pobres e acredito que ele manterá essa preocupação com os menos favorecidos”, analisa o padre Geraldo de Mori, vice-presidente da Sociedade de Teologia e Ciência da Religião (Soter). A vida franciscana do novo papa, comprometido com um voto de pobreza e profundamente envolvido com questões sociais, deve pesar na forma que ele conduzirá seu pontificado e a evangelização católica em todo o mundo. “Ele é um homem muito religioso, que levou uma vida simples e deve levar esses hábitos para Roma”, disse Paulo Fernando Carneiro de Andrade, professor decano da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Reconhecido pelo caráter forte, que bateu de frente com o governo Kirchner, e por ter um discurso suave e hábitos humildes, o novo pontífice é mais liberal do que outros candidatos cotados para a função, apesar de rechaçar com firmeza assuntos polêmicos, como a união homossexual. “Sem dúvida, ele foi uma escolha bem menos conservadora do que seria a do arcebispo de São Paulo (Odilo Scherer), próximo dos líderes da cúria”, compara o especialista em ciência da religião e professor de filosofia da Universidade de Brasília (UnB) Gabrielle Cornelli. Para Geraldo de Mori, a escolha do argentino reflete a intenção de promover reformas na Santa Sé e a renovação da Igreja. “Parece que ele não compactua com os problemas que motivaram escândalos nos últimos anos e que não vai jogar o problema para baixo do tapete”, defende.

Mais de 40% dos quase 1,2 bilhão de católicos de todo o mundo estão na América Latina, revela uma pesquisa da Pew Research Center. A Argentina concentra cerca de 31 milhões de fiéis, o equivalente a mais de 75% da população, sendo que pouco mais de 20% desse total seria praticante. Na capital portenha, existem 50 igrejas e capelas, 12 santuários, 182 paróquias e 248 instituições de educação ligadas à religião. Formalmente inaugurada em novembro de 1621, a diocese de Buenos Aires foi criada pelo papa Paulo V.

Gol de mão

O diário esportivo Olé, muito conhecido pelas piadas e pela rivalidade com brasileiros, usou uma metáfora do imaginário futebolístico — La Mano de Díos (A mão de Deus) — para se referir à escolha do arcebispo de Buenos Aires e primado da Argentina, Jorge Mario Bergoglio, para suceder Bento XVI. A expressão é uma alusão ao famoso gol de mão de Diego Maradona contra a Inglaterra nas quartas de final da Copa do Mundo de 1986. O time argentino, mais tarde, seria campeão do torneio pela segunda vez. Além do jornal, as redes sociais também divulgaram piadinhas sobre a decisão do Colégio Cardinalício, como “quem tem Boca vai à Roma", uma menção ao clube mais popular do país, o Boca Juniors. O novo papa, no entanto, orce pelo San Lorenzo, time da capital argentina e um dos rivais do Boca.