Título: Reforma planejada no Brasil
Autor: Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 15/03/2013, Mundo, p. 14

Jorge Bergoglio foi redator do Documento de Aparecida, redigido em maio de 2007 no interior paulista e que trazia a proposta de aproximação com os fiéis

Os primeiros sinais de que o papa Francisco vai fazer mudanças na Igreja Católica não foram dados agora, com sua eleição, mas em 2007, durante a 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, no Santuário de Aparecida (SP). O então bispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, foi o principal redator do Documento de Aparecida. O texto propunha novas ações para a religião, que deveria se voltar mais para a evangelização, ao contrário dos rumos que o Vaticano vinha tomando. O documento mostrou a necessidade de aproximar mais a igreja de seus fiéis.

A iniciativa da realização da conferência em Aparecida partiu do então papa Bento XVI, durante uma reunião com quatro cardeais da América Latina e do Caribe, em 2005. Entre eles, Jorge Mario Bergoglio, e Cláudio Hummes, do Brasil, que acompanhava o novo papa durante sua apresentação, na quarta-feira. O encontro de Aparecida aconteceu em maio de 2007 e coube ao argentino relatar e revisar os textos finais antes de eles serem encaminhados ao pontífice.

O Documento de Aparecida sugeriu à Cúria que a igreja tomasse novos rumos, baseando-se no trabalho que vinha sendo feito na América Latina e no Caribe, voltado para a evangelização. Tanto é que um dos eixos básicos da proposta dos bispos era “converter a igreja em uma comunidade mais missionária”. Com isso, seria uma linha preferencial voltar-se aos pobres e excluídos. Para os religiosos latinos e caribenhos, havia a necessidade de aproximar mais a igreja da população. Por ser jesuíta, o novo papa tinha o perfil ideal para fazer os ajustes no texto final dos bispos reunidos no interior de São Paulo.

Segundo o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Steiner, bispo auxiliar de Brasília, o novo papa teve importância fundamental no texto final. “O Documento de Aparecida foi um grande avanço”, avalia o religioso, ressaltando que Francisco tem larga experiência por ter sido bispo de Buenos Aires. “Teremos um bom pastor, sem deixar de ser um intelectual”, acrescenta dom Leonardo, referindo-se ao sumo pontífice, que é doutorado em Teologia na Alemanha. Para o representante da CNBB, o modelo proposto pelos bispos latinos e caribenhos também serviu de exemplo para a igreja de outros continentes, principalmente a África e a Ásia.

Mudanças Pioneiro em vários aspectos, já que é o primeiro jesuíta e o primeiro latino-americano a ocupar a Santa Sé, o papa Francisco é considerado uma pessoa simples e bem próxima das comunidades mais carentes. Para a Igreja Católica no Brasil, o próprio nome adotado pelo pontífice é diferenciado e está ligado a santos que se dedicaram às mudanças, conforme analisou o secretário-geral da CNBB, depois da escolha do novo líder religioso. “O nome que ele escolheu é muito significativo”, observou dom Leonardo.

Como bispo Jorge Mario Bergoglio, o novo pontífice ficou no Brasil de 13 a 31 de maio 2007, período do encontro dos latinos e caribenhos, que também teve a presença do hoje papa emérito Bento XVI. Ele esteve em Aparecida durante sua visita ao Brasil. Segundo a CNBB, o novo chefe da Igreja Católica deve retornar ao país entre 23 e 28 de julho, durante a Jornada Mundial da Juventude.

O “pensamento Bergoglio”

Posições assumidas pelo cardeal, antes de ser eleito papa, sobre questões controversas para a Igreja

» Casamento gay Como arcebispo de Buenos Aires, fez oposição ferrenha à lei de julho de 2010 que permite o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo na Argentina. A iniciativa, pioneira na América Latina, foi aprovada com apoio do governo. “Não sejamos ingênuos: não se trata de uma simples luta política, é uma pretensão destrutiva ao plano de Deus”, disse Bergoglio pouco antes da sanção da lei. O padre Nicolás Alessio foi expulso do Tribunal Interdiocesano de Córdoba por apoiar o casamento gay. » Travestis/transexuais O cardeal também foi contrário à lei de identidade de gênero, aprovada em maio de 2012, que autoriza travestis e transexuais a registrar seus dados com o sexo escolhido. » Eutanásia/aborto Contrário a ambos os procedimentos, conforme a posição da Igreja, Bargoglio chegou a declarar que “na Argentina se aplica a pena de morte (referência ao aborto) e a eutanásia acobertada (em idosos enfermos)”. » Preservativos Sustentou, também nesse assunto, a posição firmada pela Igreja desde João Paulo II, vetando o uso de preservativos incluindo como forma de prevenção da Aids — para a qual se recomenda como medida a abstinência sexual fora de relações conjugais. » Família Em 2012, o cardeal pediu aos padres de 11 dioceses de Buenos Aires que batizassem todos os bebês, incluindo os nascidos de relação extraconjugal. » Pedofilia Desde 2002, três padres católicos na Argentina foram condenados por abuso sexual de menores, com penas entre oito e 24 anos de prisão. Dois bispos renunciaram por envolvimento em escândalos sexuais. Em todos os casos, a Igreja evitou fazer comentários e disse que acataria a decisão da Justiça. » Globalização Como cardeal, o novo papa manifestou-se positivamente sobre o fenômeno, mas advertiu sobre riscos. “Não podemos renegar a cultura de nossos povos. Esse é o grande perigo”, destacou. Bergoglio defendeu o trabalho dos laicos na política, que definiu como “a tarefa de buscar o bem comum”. Quanto às ideologias, disse que “sempre engendram violência”. » Comunismo x liberalismo Na linha firmada por João Paulo II, fez críticas tanto ao comunismo quanto ao liberalismo e destacou que, “assim como comunismo caiu por suas contradições internas, o mesmo acontecerá com o liberalismo”. Orientou os fiéis a não “aceitar passivamente a tirania do econômico” e afirmou que as políticas públicas “não devem reduzir-se a fechar as contas para tranquilizar os mercados”.