Título: Dimensão global reafirmada
Autor: Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 15/03/2013, Mundo, p. 14

A chegada do argentino Jorge Bergoglio, 35 anos depois do primeiro papa não italiano da era moderna, João Paulo II, rompeu com 13 séculos de eurocentrismo. Segundo especialistas, a Igreja Católica aposta na América Latina, região com o maior número de fiéis, para reafirmar a sua dimensão global.

O próprio Francisco, como escolheu ser chamado o primeiro papa latino-americano, referiu-se a esse aspecto na primeira aparição no balcão da Basílica de São Pedro. Ele afirmou, com um inabitual senso de humor, que os 115 cardeais que participaram do conclave haviam ido buscá-lo “quase no fim do mundo”. Esta “vitória do novo mundo”, depois dos pontificados de João Paulo II e de Bento XVI, “é uma mensagem de que o papado é realmente universal”, explicou Marco Politi, vaticanista do jornal italiano La Stampa.

Com 483 milhões dos 1,2 bilhão de fiéis espalhados pelo mundo, a América Latina é o continente de mais forte presença de uma Igreja que perdeu influência nas sociedades ocidentais, cada vez mais individualistas e secularizadas. Para o historiador católico Alberto Melloni, a chegada deste papa simples, austero e com experiência pastoral, “permite ao Vaticano se libertar da obsessão em afirmar sua presença na sociedade europeia secularizada”. “Abre horizontes completamente diferentes”, antepondo os valores católicos mais profundos, e “pode ser uma força inspiradora para aqueles que perderam a fé”, acrescentou Melloni.

O primeiro papa jesuíta, considerado ortodoxo não doutrinário e mais moderado no âmbito social, dá um sopro de ar fresco ao Vaticano, após os escândalos de pedofilia e abusos de poder que marcaram o último pontificado. “Começamos este caminho juntos, bispos e povo”, proclamou Francisco. Com o nome inspirado em São Francisco de Assis, o santo dos pobres, ele anuncia, assim, a intenção de iniciar uma nova era marcada por uma proximidade maior com os fiéis.

Francisco goza de grande prestígio entre os membros da diocese de Buenos Aires, que apreciam a disponibilidade dele e a capacidade de se comunicar, assim como o estilo de vida sem ostentação. Para o vaticanista Politi, a simplicidade de Bergoglio envia também “uma mensagem de esperança às massas deserdadas do Terceiro Mundo de que é um papa que conhece de perto suas condições”.

Progressistas Até os setores mais progressistas da Igreja receberam com otimismo o papa eleito na véspera contra todas as previsões — os vaticanistas apostavam no italiano Angelo Scola e no brasileiro Odilo Scherer, considerado o candidato da Cúria. O pontífice argentino “está consciente da crise da Igreja, da necessidade de uma reforma séria, a começar pela Cúria romana. Isso me deixa esperançoso”, declarou Frei Betto, um dos expoentes da Teologia da Libertação, à qual Jorge Bergoglio sempre se opôs.

Segundo o teólogo Hans Kung, que pediu que se aproveite a oportunidade de mudar oferecida pela renúncia de Bento XVI, o pontífice argentino “pode ajudar”. “Os problemas da Igreja, do celibato à crise de vocações, são mundiais”, declarou ao jornal italiano La Repubblica. “Esperamos que um papa não-europeu abra novas perspectivas.”