Título: Fumaça branca no Planalto
Autor: Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 15/03/2013, Mundo, p. 14

Presidente Dilma aceita convite e vai participar da missa de investidura do sumo pontífice Francisco. Decisão é entendida com gesto de aproximação com a cúpula católica

A presidente Dima Rousseff anunciou, no início da tarde de ontem, que irá à missa de investidura do papa Francisco em Roma, na próxima terça-feira. Por meio do porta-voz, Dilma declarou que decidiu aceitar o convite do Vaticano, empenhado em garantir a presença dos chefes de Estados dos países com grandes populações católicas. A ida pode selar uma nova fase na relação entre a instituição e a presidente, estremecida desde a campanha que a elegeu. Na época, Bento XVI fez declarações que foram entendidas pela cúpula petista como anti-Dilma.

Em 2010, a três dias do segundo turno, Bento XVI orientou os bispos brasileiros a emitirem “juízo moral” sobre questões como descriminalização do aborto e eutanásia, mesmo “em matérias políticas”. Ainda sem citar a atual presidente, o pontífice pediu aos bispos para recomendar aos fiéis que usassem o voto para “a promoção do bem comum”. Como a posição de Dilma sobre aborto foi um dos temas suscitados pelos adversários antes do pleito, o comitê de campanha entendeu que as declarações eram direcionadas a ela.

Para expressar sinal de boa vontade com o Vaticano, Dilma fez questão de cancelar agendas para poder estar presente à missa de investidura do arcebispo argentino Jorge Mario Bergoglio, marcada para as 5h30 (horário de Brasília) da próxima terça-feira. Como embarcará no domingo à noite, a presidente deixará de ir a Salvador, onde participaria da inauguração do Estádio Fonte Nova. A intenção é iniciar um novo capítulo na relação com a Igreja Católica.

Auxiliares da presidente reconhecem que Dilma tem dado sinais de preferência ao atual papa em relação ao anterior. Comparando as notas oficiais divulgadas na saída de Bento XVI e na escolha de Jorge Mario Bergoglio para o cargo, dizem os assessores, é possível notar uma diferença de tom, mais adjetivado e entusiasmado na segunda.

O Planalto também espera que o Brasil seja uma das primeiras nações a serem visitadas pelo novo pontífice, até por ser a sede da próxima Jornada Mundial da Juventude. Na quarta-feira, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho — auxiliar próximo de Dilma e católico praticante —, disse que o fato de o escolhido ser latino-americano reforçará a importância do evento. “Nós entendemos que a Jornada Mundial ganha com isso inclusive um destaque especial, porque sem dúvida alguma será uma das primeiras viagens do novo papa. Dará, portanto, uma nota muito especial a essa jornada”, afirmou.

Relação fraterna Especialistas concordam que o novo pontífice pode inaugurar uma nova fase na relação entre o papado e o atual governo brasileiro. “É lógico que houve um desconforto durante a campanha. A relação entre Dilma e Bento XVI ficou um pouco truncada pela intransigência do papa com relação ao aborto”, disse o professor Isidoro Mazzarolo, do Instituto de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Para ele, esse tempo passou.

Isidoro destaca a latinidade e a ausência de rusgas anteriores com o papa Francisco como elementos dessa nova relação. “Ele é muito mais simpático naturalmente do que o próprio Bento XVI, tem carisma. A relação será muito mais calorosa, mais fraterna do que um papa de origem alemã, que é, por natureza, menos afetivo, mais fechado”, avalia. Além disso, acrescenta o professor, existirá mais facilidade de diálogo por conta da língua.

O papa Francisco também dá sinais de que quer manter boas relações com o Brasil. Sua agenda de compromissos no país durante a Jornada da Juventude, por exemplo, será ampliada em relação à de Bento XVI. Com menos limitações de saúde e mais facilidade de comunicação, participará de quatro eventos, em vez de dois, como previsto pelo antecessor.

Povo fala

Qual é a sua expectativa em relação ao papa Francisco?

Rodrigo Pedro da Silva, 30 anos, desempregado, morador do Guará II

“Sinceramente, não espero muitas mudanças com a troca do papa. Acho que os ideais da Igreja Católica se manterão iguais, com as mesmas opiniões sobre as questões mais polêmicas, como o aborto, união homossexual e a pílula anticoncepcional. Quero ver como ele, jesuíta, vai lidar com as riquezas da vida papal.”

Edson Miranda, 63 anos, guia turístico, morador de Ceilândia

“O papa, como jesuíta, não tem apego às coisas materiais e é uma pessoa simples, que olha com muito carinho para os pobres, não só da América do Sul, mas do mundo inteiro. Ele exercerá uma influência muito forte sobre os dogmas da Igreja, por isso todos vão se surpreender. Essa papa vai mudar tudo.”

Francisco Levi, 37 anos, representante comercial, morador do Recanto das Emas

“Apesar de não ser católico, acho que pelo menos algumas coisas vão melhorar. Acredito que o papa Francisco vai abrir a cabeça dos católicos para outras religiões. É importante que isso seja feito e é o que todo o mundo espera dele. O papa não pode servir a dois senhores — política e religião —, mas, sim, somente a Deus.”

Antônia do Santos Neves, 57 anos, doméstica, moradora de Santa Izabel do Pará

“Desse papa, não espero nada, além de que faça um bom trabalho. Realmente, a mudança de um papa, da pessoa que figura no cargo da barca de Pedro, não faz mais diferença nos dias de hoje. Só quem tem o poder de mudar o que já está estabelecido é Deus.”

Tânia Bispo dos Santos, 44 anos, vendedora, moradora do Novo Gama

“No nosso tempo, tudo muda muito. Acho que temos que desejar coisas boas. Por isso, só espero o melhor. Se começar a bater forte nas questões da pedofilia e da corrupção dentro do Vaticano já estará bom demais. Gostei da escolha, porque acho que o papa deveria ter mais carisma, mais proximidade com o povo. Essa é a diferença entre um latino e um europeu.”

Júlio Cezar Siqueira, 42 anos, vendedor ambulante, morador do Gama

“A Igreja hoje é um negócio e cabe ao papa combater esse consumismo desenfreado. Entretanto, a mudança tem que ser de dentro para fora. A gente tem que mudar para que o papa, que é um representante do povo, mude também. Espero que a Igreja se aproxime do povo, compreenda e aceite o outro independentemente da religião.”

Pabline Coimbra, 21 anos, estudante de psicologia, moradora de Vicente Pires.

“A expectativa é de que o papa seja mais atento à influência do capitalismo na religião, que chega a ser perversa com uma grande quantidade de pessoas no mundo todo. Espero, sinceramente, que ele pelo menos tente intervir nessa política discriminatória.”