Correio braziliense, n. 20960, 12/10/2020. Artigos, p. 9

 

A CEB só vale um avião?

Izalci Lucas 

12/10/2020

 

 

A tentativa de vender de forma intempestiva a Companhia Energética de Brasília (CEB) Distribuidora tem tudo para se tornar mais um escândalo do governo Ibaneis, a exemplo da compra dos testes da Saúde para a covid-19 e tantos outros. O preço anunciado para privatizar uma das melhores distribuidoras de energia do país é uma verdadeira pechincha. É equivalente ao de um Airbus A380-800. Só um dos terrenos que a CEB tem vale mais do que o GDF está cobrando pela companhia.

Além disso, a iniciativa é verdadeiro estelionato eleitoral. Na campanha, Ibaneis garantiu que não venderia a CEB. Gravou vídeos e assinou declarações afirmando: “No meu governo não se fala de privatização de nada. Nem da CEB, nem da Caesb, nem do BRB... nós vamos valorizar e melhorar todas essas instituições”. Na política, quem não tem palavra costuma ter vida curta, já que o eleitor não perdoa traições, e a tecnologia está aí para mostrar a cara e a fala de todos.

Ibaneis mentiu para ganhar a eleição e vem mentindo para justificar a venda da companhia. A CEB é lucrativa, não deficitária como o ele diz. Nos últimos anos, só não deu lucro em 2018 porque o GDF deu calote e não pagou as dívidas com a empresa. Mesmo assim, o lucro acumulado nos últimos cinco anos chega aos R$ 115 milhões. Só no ano passado, foi de R$ 42 milhões.

Outra mentira é dizer que a dívida de mais de R$ 800 milhões tira a capacidade de investimento da CEB. A empresa tem patrimônio suficiente para fazer frente a esse problema e, ainda, tem quase R$ 2 bilhões a receber em valores atualizados.

No Noroeste, ela tem um terreno de 280 mil m², quase do tamanho de um bairro. Tem ainda um terreno enorme na Ceilândia de 200 mil metros, cerca de 17 projeções em Taguatinga e o terreno da sede no SIA, em área nobre e supervalorizada. Os números não mentem.

A venda do terreno do Noroeste sozinho daria para pagar a dívida e ainda sobraria o equivalente ao que o GDF espera arrecadar com a venda da empresa. Se o governador quisesse de fato “melhorar a CEB” — como prometeu na campanha — bastaria mudar a destinação de uso do terreno e permitir que fosse vendido de forma desmembrada, em projeções.

Aliás, é isso o que a empresa que vier comprá-la irá fazer.  Esse patrimônio da própria CEB poderia ser utilizado para equacionar a dívida e fazer caixa. Por que não fazer agora o que será feito quando ela estiver privatizada? Quem comprar a CEB vai fazer isso e vai lucrar. Lucrar muito.

Chega a ser intrigante a narrativa do governo para justificar a venda. O GDF é o único vendedor que se conhece que deprecia o próprio produto. É isso que vem fazendo. Em vez de mostrar o potencial da companhia, o governo faz o contrário. Vai negociá-la preço vil. A falta de transparência e a pressa fazem o GDF não respeitar sequer os ritos da lei.

A Lei Federal 10.848/04 e a Resolução Autorizativa 318/05, da Aneel, estão sendo atropeladas. No passado, quando houve a cisão da CEB em duas empresas (geração e distribuição de energia), foi preciso autorização legislativa para alienar as ações da geração de energia. O mesmo deveria se aplicar agora para a venda de ações da CEB Distribuição e isso não está sendo observado.

Em 2015, para autorizar a companhia a alienar a participação acionária nas empresas CEB Lajeado e Corumbá Concessões, entre outras, o governador Rollemberg submeteu à Câmara Legislativa pedido de autorização, que resultou na Lei 5.577/15. Por que agora Ibaneis não faz o mesmo? Medo do debate? Medo da reação dos brasilienses?

Nos últimos cinco anos, a CEB foi finalista e venceu por três vezes, inclusive em 2019, o Prêmio Aneel de Qualidade para a Região Centro-Oeste, cujo critério para a escolha é a avaliação dos próprios consumidores. Essa é a maior premiação do setor elétrico, e a CEB, entre as 31 grandes distribuidoras brasileiras, é a sétima melhor em nível nacional.

Assim, soa estranheza o discurso alarmista de Ibaneis, pregando que a CEB corre o risco de perder a concessão da Aneel e, por isso, teria que vendê-la. O governo chega a apontar um ou outro indicador em que a CEB eventualmente não vai bem para justificar seu argumento.

Tudo isso é tão falso quanto uma nota de R$ 3. A CEB nunca chegou perto da possibilidade de perder a concessão, pois, antes dela, teriam que perder a concessão as 23 empresas privadas, das 26 existentes, que estão atrás dela no Ranking de Qualidade da Aneel. O ranking expressa a qualidade dos serviços, como numa cesta de índices, não tendo relevância um índice ou outro isolado, para dizer se uma empresa vai bem ou mal. Para a Aneel, como num campeonato, o que vale é a posição na tabela.

O aumento no preço das tarifas de energia do brasiliense será outra consequência inevitável da venda da CEB.  Foi assim no Rio de Janeiro, com a privatização da Light; da mesma forma em São Paulo, com a Eletropaulo; em Goiás, com a CELG; e em quase todos os estados que privatizaram as concessionárias de energia.

O governador ainda desconsidera outros aspectos importantes. A geração e a distribuição de energia são ativos estratégicos para os governos de uma maneira geral. Tanto assim que nos EUA, Alemanha e na maioria dos países desenvolvidos essas atribuições são competências privativas do Estado.

Brasília é a única capital entre aquelas das 10 maiores potências econômicas do mundo que não possui geração própria de energia. Não achando isso suficiente, Ibaneis agora quer entregar para a iniciativa privada a exploração da distribuição, deixando a capital do Brasil ainda mais vulnerável.