Valor econômico, v. 21, n. 5128, 16/11/2020. Brasil, p. A4

 

Economia com reforma supera previsão, mas rombo será recorde

Edna Simão

16/11/2020

 

 

Queda nas despesas deve superar projeção de R$ 9,9 bi, mas será insuficiente para impedir déficit de superar R$ 274 bi

Após um ano de vigência da reforma da Previdência, o governo projeta um impacto fiscal maior do que os R$ 9,9 bilhões esperados inicialmente. Essa economia, no entanto, está sendo totalmente mascarada pelo tombo da arrecadação provocado pela pandemia de covid-19. Resultado: mesmo com a reforma, o déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) continuará crescendo e deve bater o novo recorde de R$ 274,3 bilhões no fim do ano. Nos regimes dos servidores públicos civis e pensões militares, por enquanto, há uma ligeira melhora ante 2019.

“Não dá, com segurança, para dizer em quanto, mas o ganho [com a reforma] será maior que R$ 9,9 bilhões”, disse o secretário de Previdência do Ministério da Economia, Narlon Gutierre Nogueira, ao Valor. Esse impacto nas contas considera o RGPS, o RPPS e o aumento na receita decorrente da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).

Ele reforçou que a evolução das despesas com o pagamento de benefícios do RGPS neste ano tem se mostrado inferior à projeção constante da Lei Orçamentária Anual (LOA) 2020, o que indica que neste primeiro momento os ganhos fiscais com a aprovação da reforma foram superiores aos projetados. A LOA previa uma a despesa com benefícios de R$ 677,7 bilhões e esse valor caiu para R$ 672,7 bilhões.

“Considerando os fatores de incerteza deste ano, relacionados à pandemia e ao fluxo de análise dos benefícios pelo INSS, é recomendável uma avaliação por prazo mais longo para se determinar exatamente quanto desse resultado decorre diretamente da aprovação das medidas [da reforma].”

O secretário explicou que o impacto das mudanças nas regras de concessão de aposentadoria e pensão seria mais de longo prazo. Em dez anos, a economia foi estimada em R$ 800 bilhões, valor que foi consumido pelo aumento de gasto do governo com medidas que visavam minimizar os efeitos da pandemia neste ano.

“Não temos condições ainda de rever projeções feitas no ano passado. O que a gente tinha observado do lado da despesa é que ela tem evoluído de maneira um pouco mais satisfatória do que tínhamos projetado. É um ano muito incomum”, disse Gutierre.

Segundo ele, o aumento da taxa de desemprego e o diferimento da contribuição (esse com impacto mais temporário) contribuíram para uma piora das receitas, mas o cenário pode ser revertido com a retomada da economia que já está ocorrendo.

A redução de despesas devido à reforma no primeiro ano será insuficiente para impedir que o déficit do RGPS atinja R$ 274,3 bilhões no fim deste ano. Segundo o secretário, em relação a 2019, a despesa com benefícios do RGPS está subindo, e as receitas, devido à pandemia, caindo consideravelmente.

Para o especialista em Previdência Luis Eduardo Afonso, professor associado da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP), o déficit do RGPS também está sendo impactado pela demora da incorporação das novas regras nos sistemas e com a pandemia a “bagunça” ficou ainda maior. “Mas sem reforma, o cenário seria muito pior.”

Ele cita que ainda não é possível verificar uma queda no valor médio do benefício concedido na comparação entre setembro deste ano e setembro de 2019.

Se por um lado o déficit do RGPS piora, o governo vê ganhos mais fortes da reforma no regime de previdência dos servidores públicos civis e pensões de militares, o que está diretamente relacionado à cobrança de alíquotas diferenciadas. No regime próprio dos civis, a arrecadação saltou de R$ 23,2 bilhões para R$ 26,9 bilhões entre janeiro e setembro de 2019 e igual período deste ano. A expectativa era que no ano a arrecadação com essa alíquota fosse de R$ 3,5 bilhões.

No caso dos militares, a cobrança de contribuição das pensionistas fez com que a arrecadação desse sistema passasse de R$ 1,8 bilhão para R$ 4,6 bilhões na mesma base de comparação. No acumulado do ano até setembro, o déficit da previdência de servidores públicos e pensões de militares foi de R$ 69,96 bilhões, queda de 4,88% ante igual período de 2019 (R$ 73,55 bilhões).

A avaliação dentro e fora do governo é de que a reforma deu sustentabilidade no longo prazo para a trajetória explosiva das despesas previdenciárias, mesmo com a ocorrência de déficit. Além disso, ela teve papel relevante ao incentivar vários Estados a fazer ajustes em seus regimes previdenciários. Considerando os 26 Estados e o Distrito Federal, 17 já aprovaram reformas.

“Ganhou fôlego bastante significativo para dez a 15 anos. Acredito que em 2030, no mais tardar, o tema venha a ser revisado”, frisou Gutierre, acrescentando que seria interessante ter um mecanismo de ajuste automático da idade mínima assim como para se introduzir o regime de capitalização no país.

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Estados têm déficit atuarial superior a 100% do PIB e mais alto que a dívida consolidada

Edna Simão

16/11/2020

 

 

Dado consta de levantamento feito por ex-secretário adjunto de Política Econômica

O déficit atuarial previdenciário de 13 Estados brasileiros supera 100% do Produto Interno Bruto (PIB) local e está bem acima da divida líquida consolidada de cada um desses entes. O dado consta de levantamento feito pelo diretor de Estratégias Públicas do Grupo MAG, Arnaldo Lima. O estudo do ex-secretário-adjunto de Política Econômica foi feito com base nos dados do Tesouro e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.

“Quando projetamos as contribuições realizadas e aquelas a serem pagas pelos servidores até a sua expectativa de sobrevida e os seus respectivos benefícios previdenciários e fazemos o cálculo a valor presente, percebemos que as despesas são recorrentemente superiores às receitas, provocando déficit atuarial, em média, de 98% do PIB de cada Estado”, afirmou Lima. “Ou seja, a dívida projetada com o pagamento de benefícios previdenciários é o equivalente a toda a riqueza produzida em cada ente federado”, explicou Lima.

Entre os 26 Estados e mais Distrito Federal, o grupo que tinha déficit atuarial previdenciário acima de 100% de seu PIB no ano passado era composto por Amazonas, Tocantins, Amapá, Acre, Ceará, Rondônia, Pará, Distrito Federal, Pernambuco, Minas Gerais, Paraíba, Goiás e Sergipe. No caso da dívida líquida consolidada, o valor mais alto corresponde a 23,2% do PIB no Acre.

Com esses dados, Lima queria mostrar que a situação dos governo regionais continua complicada no que diz respeito à sustentabilidade do pagamento de aposentadorias e pensões no longo prazo, mesmo com a promulgação da reforma da Previdência em novembro do ano passado. Alguns Estados, como previsto na reforma previdenciária, já elevaram as alíquotas de contribuição para 14% para ajudar a equacionar o déficit atuarial e ainda podem, caso considerem necessário, estabelecer contribuições extraordinárias.

De acordo com Lima, os dados preocupam pois, num cenário ideal, as contribuições feitas pelos servidores públicos e pelo Estado trazidas a valor presente deveriam ser suficientes para cobrir a despesa previdenciária, mas não é o que ocorre. Além disso, a situação tende a piorar pois existem alguns Estados em que a relação entre ativos e inativos já está um para um, sendo que o adequado é ter três servidores trabalhando para bancar uma aposentadoria.

“Para reduzir o déficit atuarial previdenciário de cada Estado, é importante estimular, por meio da criação de um benefício especial, a migração dos servidores que ganham acima do teto do INSS para o regime de previdência complementar, aliviando o caixa futuro dos Estados com pagamento dos benefícios mais elevados”, explicou.

Lima lembra que a reforma da Previdência permitiu que o setor privado possa ofertar a cobertura de pensões por morte, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e auxílio-acidente de forma concorrente com o INSS. “Caso o pagamento desses benefícios previdenciários não programados seja realizado pelo setor privado, essas despesas não estarão mais sujeitas ao teto de gastos”, disse. “Atualmente, esses benefícios representam cerca de R$ 265 bilhões”, disse. Ainda não há previsão no governo de apresentar regulamentação para essa matéria.

Pelos dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, 17 Estados já reformaram suas previdências e quase todos já ajustaram as alíquotas de contribuição, exceto Roraima.