Título: Cursos de inglês fora de controle
Autor: Castro, Grasielle
Fonte: Correio Braziliense, 18/03/2013, Brasil, p. 6

Sem fiscalização, empresas prometem %u201Cmilagres%u201D na disputa por clientes

“Aprenda inglês em 30 dias, esqueça as legendas.” Nessa promessa, há mais do que outro curso de línguas: um mercado que movimenta mais de R$ 6,5 bilhões por ano. O segmento de cursos de treinamento e aperfeiçoamento profissional, em franca expansão, segundo dados da Associação Brasileira de Franschising, conta com mais de 13 mil unidades, em todo país.

Os números, porém, podem ser bem maiores, já que a entidade só leva em conta o registro das franquias. A relação direta entre a realização de eventos como a Copa 2014, a Olimpíada 2016 e o aquecimento do mercado de trabalho impulsionou a proliferação desse tipo de escola, que diz oferecer excelência tanto nos cursos de línguas quanto nos de secretariado e informática.

Apesar do aumento de 88% no número de redes nos últimos sete anos, não há fiscalização específica. O Ministério da Educação e a Secretaria de Educação do Distrito Federal destacam que não têm a competência de regular este tipo de curso. A legislação brasileira estabelece que os cursos de treinamento e de educação são apenas para aperfeiçoamento e atualização do trabalhador, sem prever critérios mínimos de qualidade e necessidade de credenciamento. Muitas deles não exigem pré-requisitos na formação dos professores, não têm infraestrutura, critérios pedagógicos e nem oferecem material didático de qualidade.

A situação se complica, porque há cada vez mais gente interessada no aperfeiçoamento profissional rápido. Pesquisa realizada pelo Programa de Administração de Varejo (Provar), da Fundação Instituto de Administração (FIA), com moradores de São Paulo, mostra que os gastos com educação são os que mais pesam no orçamento e chegam a superar as despesas com alimentação: 21,8% ante 20,4%.

O diretor executivo da Associação Brasileira de Franchising, Ricardo Camargo, acrescenta que o crescimento do setor também favoreceu as classes emergentes. Segundo ele, devido à concorrência, houve um barateamento dos cursos, ao mesmo tempo em que se verificou um aumento substancial na renda da classe média, que é quem mais procura por esse serviço. “Esse movimento tem atingido também cidades pequenas, com cerca de 100 mil habitantes.”

Treinamento Camargo diz que esse é um setor que caminha com a mudança da configuração do país. “Antes, nós tínhamos multinacionais estrangeiras. Agora, temos empresas brasileiras se transformando em multinacionais. Isso significa que, mesmo dentro das nossas indústrias, há necessidade de mais treinamento e de um segundo idioma para esse processo de internacionalização e da globalização. Vemos ainda a Copa interferindo, com algumas redes lançando módulos especiais de treinamento para motoristas, atendentes”, destaca. Ele afirma que as redes firmam compromissos com governos e associações para garantir melhor atendimento em períodos de alta frequência de turistas.

O problema é que não há como comprovar essa garantia. O assunto preocupa inclusive quem trabalha no setor. A superintendente acadêmica de uma escola de inglês Isabela Villas Boas ressalta que muitas das promessas feitas pelos donos dessas instituições de ensino não são plausíveis.

A mais comum é a de tornar o aluno fluente no idioma em pouco tempo. Ela destaca que, quando essa propaganda é feita, é preciso dizer qual inglês será oferecido nesse espaço de tempo. “A carga horária exigida internacionalmente para o básico é de 200 horas. Isso significa pelo menos sete horas de aula por semana ao longo de seis meses. Eles têm essa carga horária? Mesmo que tenham, há que se considerar o tempo para a aquisição ocorrer. Aquisição de língua estrangeira não é algo tão linear assim e depende de uma série de fatores. Não há milagres”, frisa.

"A carga horária exigida internacionalmente para o básico é de 200 horas. Isso significa pelo menos sete horas de aula por semana ao longo de seis meses" Isabela Villas Boas, superintendente acadêmica

» O que diz a lei Os cursos de educação e treinamento são considerados cursos livres, portanto não passam pelo crivo do Ministério da Educação. Esses cursos não possuem legislação específica. O decreto 5.154, de 23 de julho de 2004, e a lei 9.394, de dezembro de 1996, estabelecem apenas que essa modalidade de ensino integra a educação profissional, porém não formal. Não há especificação de carga horária e organização. O papel principal é de atualizar e qualificar o profissional. Por serem livres, é vetada a emissão de diplomas. Também não há necessidade de autorização para funcionamento nem de reconhecimento do Conselho Nacional de Educação. Nesta categoria, estão cursos como os de idiomas, de informática, segurança, webdesign e secretariado.