Título: Papa hipnotiza multidão
Autor: Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 18/03/2013, Mundo, p. 12

Milhares de pessoas acompanham em absoluto silêncio a primeira condução do Ângelus feita por Francisco. Perdão foi o principal tema da celebração

A Praça de São Pedro, o coração da Igreja Católica, voltou a ter ontem uma agitada manhã de domingo, após dois fins de semana consecutivos de sede vacante. O novo papa reuniu milhares de pessoas para rezarem juntos o Ângelus, pontualmente ao meio-dia. A tradicional oração, a primeira presidida por Francisco, deixou extasiada a multidão que ficou até quatro horas em pé para ouvir o pontífice por 12 minutos.

Por detrás de cortinas brancas, ele surgiu numa das janelas do Palácio Apostólico sorridente e acenando para o povo. “Irmãos e irmãs, bom dia”, saudou, para delírio de quem começou a encher a Praça perto das 8h. Com voz mansa e, mais uma vez, revezando o texto pronto com o discurso de improviso, Francisco se disse feliz por estar ali.

Cada gesto, mesmo de muito longe, e cada palavra do papa eram acompanhados por olhares atentos e um silêncio absoluto. Quando o celular de uma mulher tocou durante a reza, a multidão imediatamente a repreendeu. Bronca parecida levou um casal de italianos ao erguer uma faixa, tapando a visão de fiéis.

Ninguém quer perder um segundo dos raros momentos diante do papa. Até quem não sabe o italiano se esforçava para entender as frases que ecoavam pela Praça. “Deus é como um pai misericordioso, que sempre tem paciência conosco, nos compreende, atende, não se cansa de nos perdoar”, pregou Francisco.

O perdão foi o tema central dos comentários do pontífice, antes de puxar as três ave-marias que fazem parte do Ângelus. “Deus nunca se cansa de perdoar. Somos nós que nos cansamos de pedir perdão”, insistiu, repetindo o que ensinara em missa celebrada no início da manhã, na capela de Santa Ana, dentro dos muros do Vaticano.

Psicólogo

Criado na fé católica, o estudante paulista Archimedes Paro, 21 anos, não pisa numa igreja há tempos. Ontem, no meio do povo, se emocionou. “O que foi aquilo? Quando ele (o papa) apareceu, me arrepiei todo. Parecia um psicólogo falando com a gente”, contou o jovem, convencido pela mãe, a pedagoga Soraia Paro, 46, a ir até Roma ver o novo papa.

Francisco, como tem acontecido desde a primeira aparição, arrancou lágrimas e risos dos fiéis. Ao mencionar que havia lido um livro do cardeal alemão Walter Kasper, ponderou, com a espontaneidade própria: “Mas não pensem que estou fazendo publicidade”. A obra, completou, sustenta que “a misericórdia deixa o mundo menos frio e mais justo”.

O papa concluiu pedindo orações, agradecendo a acolhida e desejando “bom domingo e bom almoço”. “É um papa do povo. Vai ser difícil ele fazer mudanças profundas, porque já sabemos o que representa a Igreja, mas certamente trilhará um bom caminho”, comentou a argentina Marina Paiotti, 40, que mora em Roma, mas nunca tinha ido a um Ângelus.

As bandeiras de listras azul-celeste e brancas predominaram entre as dezenas que tremulavam na Praça. “É muita emoção, não acho que vou ter a oportunidade de ver outro papa argentino”, dizia o comerciante portenho Alejandro Gondar, 53, que vive em Madri, mas pegou um avião na noite de sábado somente para acompanhar o primeiro domingo de Francisco.

Há oito anos em Roma, a freira argentina Elizabeth Hernandez, 38, custa a acreditar que tem um “chefe” compatriota. “É um tempo de renovação para a Igreja e para nós. As palavras de Francisco, como as de hoje (ontem), vão nos impulsionar a buscar uma nova espiritualidade”, defendia.

Anunciação A hora do Ângelus corresponde, na fé católica, às 6h, às 12h e às18h. É o momento em que os fiéis, mediante uma rápida oração, são convidados a recordarem a anunciação — feita pelo anjo Gabriel a Maria — da concepção de Jesus Cristo. Em seminários, mosteiros e demais casas religiosas, a prece é obrigatória e geralmente feita em conjunto. Na Praça de São Pedro, no Vaticano, já é tradição o papa aparecer na janela do Palácio Apostólico para rezar o Ângelus aos domingos, às 12h, junto com os fiéis. Além da oração, ele faz comentários sobre o Evangelho que integra a liturgia daquele dia.

Oração do Ângelus O anjo do Senhor anunciou a Maria. E Ela concebeu do Espírito Santo. (Reza-se uma ave-maria) Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a vossa palavra. (Reza-se uma ave-maria) E o Verbo se fez carne ou então E o Verbo divino encarnou. E habitou entre nós. (Reza-se uma ave-maria) Rogai por nós, Santa Mãe de Deus. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Oremos: Infundi, Senhor, a vossa graça em nossas almas para que, conhecendo pela anunciação do anjo a encarnação de vosso Filho bem-amado, cheguemos por sua paixão e cruz, à glória da ressurreição. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco, na unidade do Espírito Santo. Amém. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre. Amém.

É um tempo de renovação para a Igreja e para nós. As palavras de Francisco vão nos impulsionar a buscar uma nova espiritualidade” Elizabeth Hernandez, freira argentina, 38 anos

“É um papa do povo. Vai ser difícil ele fazer mudanças profundas, mas certamente trilhará um bom caminho” Marina Paiotti, moradora de Roma, 40 anos

Primeira tuitada O papa Francisco enviou ontem sua primeira mensagem pelo twitter, por meio do mesmo perfil utilizado anteriormente por Bento XVI, o @Pontifex. “Queridos amigos, de coração vos agradeço e peço para continuardes a rezar por mim. Papa Francisco”, dizia a mensagem. No perfil, não é mais possível ler os tuítes divulgados pelo pontífice anterior.

CUMPRIMENTO AOS FIéIS Os fiéis que estavam em frente ao portão do Vaticano ontem de manhã tiveram uma grata surpresa. Quebrando o protocolo mais uma vez, Francisco cruzou o portal e foi até o grupo de centenas de pessoas. Estendeu as mãos e tocou aqueles que estavam à frente, que pareciam não acreditar na cena. O gesto serviu como mais uma demonstração da popularidade do novo papa e também para testar a segurança, que, pelo visto, terá de se habituar com o estilo pouco convencional do argentino.

O papa rezou a missa da manhã de domingo na pequena igreja de Santa Anna para trabalhadores do Vaticano. Ele chegou em um carro preto, mais uma vez dispensando a limusine papal. Como o templo fica perto do portão, ele decidiu ir até as centenas de pessoas que haviam se reunido ali.

Após cumprimentar fiéis e beijar crianças, sorriu e apontou para o relógio de plástico em seu pulso para sinalizar que precisava entrar para rezar a missa. Depois da celebração, ainda usando suas vestes litúrgicas roxas, ele foi ao lado de fora da igreja, como um simples padre da paróquia, e cumprimentou cada pessoa na saída. Antes de ir embora, mais uma vez foi ao portão para acenar, diante do óbvio desconforto de seus seguranças.