Título: Barrados pela ditadura
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 17/03/2013, Política, p. 8

O país evitou receber refugiados árabes para não criar problemas com Israel. Mas preservou o fornecimento de petróleo

Há 45 anos, no princípio da ditadura militar, o Brasil foi cogitado para ser um dos países que receberiam árabes refugiados em território israelense. Documentos secretos do Conselho de Segurança Nacional (CSN) relatam que o país não tinha restrições quanto à imigração, mas advertia que isso poderia comprometer as relações políticas com outras nações do Oriente Médio, que compravam armas e veículos brasileiros, entre outros produtos, e de quem o país comprava petróleo. Em 1972, durante o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici, ficou decidido que, pelo menos, 4 mil pessoas que estavam sofrendo repressão na Síria poderiam vir para o Brasil. Entretanto, o Palácio do Planalto evitava falar sobre o tema abertamente por causa dos conflitos entre os países daquele continente.

Os primeiros documentos relatando a possível vinda de árabes para o Brasil, durante o regime militar, são de março de 1968. Trata-se de um informe da Divisão de Segurança e Informação (DSI) do Ministério de Relações Exteriores enviado ao CSN e ao Serviço Nacional de Informações (SNI), dando conta de que autoridades de Tel Aviv teriam conversado com diplomatas brasileiros sobre a possibilidade de o país abrigar uma parte de cerca de 1 milhão de pessoas que estavam nos territórios árabes ocupados por Israel. O tema também teria sido abordado pelo senador dos Estados Unidos Jacb Javits, que sugeriu a emigração dessas pessoas também para Austrália, Nova Zelândia e Canadá.

“Adverte, no entanto, a Embaixada do Brasil em Tel Aviv que, de modo geral, a impressão que se tem dos árabes que procuram obter vistos para o Brasil nem sempre é positiva, tendo a maioria deles religião muçulmana que permite a prática da poligamia; se alguns são bons agricultores, do que dão prova na região da Cisjordânia, seu nível cultural pode ser baixo”, ressalta o informe da diplomacia brasileira. A questão também foi tratada quatro anos depois, pelo Conselho de Segurança Nacional, dessa vez envolvendo 4 mil pessoas que estavam sendo discriminadas por questões religiosas na Síria.

Nesse caso, o governo ditatorial brasileiro temia que o gesto pudesse ser analisado de forma política em relação aos conflitos no Oriente Médio. “Tem sido preocupação permanente do Brasil manter uma posição de equilíbrio em relação às disputas entre árabes e israelenses, evitando iniciativas que possam ser interpretadas como uma tomada de posição em favor de qualquer das facções, com possíveis repercussões nos âmbitos interno e externo, prejudiciais à segurança nacional”, avalia uma exposição de motivos secreta feita pelo então secretário-geral do conselho, general João Baptista de Figueiredo, endereçada ao presidente Médici.

Crise do petróleo

Todos os assuntos ligados ao Oriente Médio, fossem eles relacionados à questão dos refugiados ou sobre temas comerciais e políticos, eram considerados de segurança nacional e tratados diretamente por Figueiredo e Médici. Além da questão da imigração dos árabes, os temas importantes da época eram o acolhimento de asiáticos no país, a exportação de veículos para Israel, a venda de armas para a Líbia e, principalmente, a aquisição de petróleo da Líbia pela Petrobras. “Com a crise energética mundial, foi aventada a hipótese de ser necessário um ajustamento de posição, por forma a evitar um possível corte no fornecimento de petróleo ao Brasil”, recomendava o documento secreto do CNS.

Além do receio das represálias comerciais e políticas, o governo brasileiro, durante a ditadura, temia que comunidades de imigrantes no Brasil reforçassem a oposição ao regime militar. “O Brasil abriga colônias de origem árabe e judaica de alguma expressão. Graças à posição adotada até o momento, não se registraram ocorrências que, em outros países, têm sido frequentes”, informava o documento.

"Tem sido preocupação permanente do Brasil manter uma posição de equilíbrio em relação às disputas entre árabes e israelenses, evitando iniciativas que possam ser interpretadas como uma tomada de posição em favor de qualquer das facções, com possíveis repercussões nos âmbitos interno e externo, prejudiciais à segurança nacional"

Trecho de um comunicado secreto enviado pelo então secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional, general João Baptista Figueiredo, ao presidente Emílio Garrastazu Médici