Título: O mundo em verde e amarelo
Autor: Bancillon, Deco; Hessel, Rosana; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 17/03/2013, Economia, p. 10

Empresas brasileiras aproveitam a desestabilização econômica global provocada pela recessão para expandir negócios em outros países. Nos últimos quatro anos, a participação externa cresceu 39,4%

A crise financeira que abateu instituições dos mais variados tamanhos e nacionalidades lançou os países em uma nova ordem econômica global. Diante da quebradeira geral mundo afora, as empresas que conseguiram sair fortalecidas dessa tormenta encontraram um mercado propício para aquisições. Com dinheiro no bolso, as brasileiras fizeram a farra e compraram de tudo um pouco. Somente nos últimos quatro anos, a participação de companhias nacionais no capital de estrangeiras aumentou 39,4%.

Em 2009, quando o mundo ainda mergulhava, sem rumo, na maior recessão desde 1929, o volume de ativos no exterior sob o poder de brasileiros totalizava US$ 157,6 bilhões. De lá para cá, esse montante teve um incremento de cerca de US$ 62,1 bilhões. Hoje, chega ao volume recorde de US$ 219,7 bilhões, segundo números levantados pelo Correio a partir de dados do Banco Central (BC).

Boa parte desse dinheiro foi direcionada para países que mais sofreram os efeitos da crise. É o caso dos Estados Unidos, destino de 13,4% dos recursos aplicados por brasileiros no exterior. Com a desvalorização dos ativos e a consequente fragilidade de sólidas empresas locais, investidores nacionais viram uma boa oportunidade para fincar, de vez, os pés na maior economia do mundo. Foi o que fizeram, por exemplo, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, que arremataram, por US$ 23,2 bilhões, o controle da centenária fabricante de catchup e mostarda Heinz.

Com a compra, feita em parceria com o bilionário Warren Buffett, os empresários passam a ser donos de praticamente tudo o que inclui a dieta da tradicional família norte-americana. Além do catchup, já são verde e amarelo os hambúrgueres da rede de fast-food Burger King e a tradicional cerveja Budweiser. Essa última transação, aliás, foi marcada pela consolidação da brasileira Ambev no concorrido ranking das maiores cervejarias do mundo. Com a compra, o segmento de bebidas passou a ser o segundo na preferência nacional em ativos investidos no exterior, com 9,7% dos recursos aplicados. Fica atrás somente de serviços financeiros, com 33,9% (veja gráficos).

Em pé de igualdade A consultoria de tecnologia da informação e desenvolvedora de softwares paulista Stefanini IT Solutions é um exemplo de empresa brasileira que disputa mercado em pé de igualdade com gigantes internacionais. Apesar da turbulência financeira lá fora, a companhia não suspendeu os planos de expansão. Desde 2009, fez nove aquisições e ampliou as operações internacionais. Em 2010, foi a hora da primeira compra internacional, a Tech Team, dos Estados Unidos. No ano seguinte, mais duas: a CXI (EUA) e a Informática & Tecnologia (Colômbia). Atualmente, a Stefanini IT Solutions está em 31 países — ou seja, 14 novos mercados de 2011 para cá.

“O fundador da companhia, Marco Stefanini, tem uma filosofia muito clara. Para ele, crise é momento de oportunidade”, conta a presidente da consultoria no Brasil, Monica Herrero. Ela reconhece que a recessão de 2009 ajudou na empreitada para aquisições no exterior. Na semana passada, inaugurou uma filial na Polônia. Os principais clientes estão no setor financeiro, e, no ano passado, o faturamento do grupo beirou os R$ 2 bilhões. As operações internacionais crescem mais do que as domésticas, de 30% a 35% ante 20% aqui. Para 2013, Monica não arrisca qual será o próximo destino a ser desbravado. “Há várias possibilidades, mas isso depende de contratos em negociação.”

Na avaliação de Otto Nogami, professor de economia do Insper, a Stefanini é um caso isolado. “Ela é resultado da cabeça de um empreendedor que conseguiu se posicionar de forma estratégica no mercado internacional”, comenta. Uma empresa que aproveitou bem o momento de crise global e a valorização do real frente ao dólar. “Houve uma forte saída do capital brasileiro em direção ao exterior naquela época, porque, além de os ativos estarem mais baratos lá fora, há um componente importante que é o custo da mão de obra brasileira, muito mais cara e com baixa produtividade”, explica Nogami, citando a Embraer como um caso típico. “Ela precisou montar uma fábrica na China para exportar à Ásia e ser mais competitiva, aproveitando a demanda existente e a mão de obra barata.”

Frango para o Islã Embora parte dessa internacionalização tenha se acentuado após a crise, esse movimento começou muitos anos antes, durante a época em que o Brasil viveu o chamado milagre econômico, em meados da década de 1970. Foi nesse período, por exemplo, que a hoje gigante alimentícia Brasil Foods (BRF), que nasceu da junção de duas conhecidas marcas nacionais, a Perdigão e a Sadia, fechou o primeiro contrato de exportação de frangos para o Oriente Médio, em 1975. “Pouco tempo depois”, lembra o diretor de Marketing Internacional da companhia, Fabio Camparini, “países como Arábia Saudita, o Kuwait, a Líbia, o Egito e o Iraque já estavam importando de nós”, diz.

Com o passo adiante, veio também uma série de desafios que a empresa teve de enfrentar até alcançar relativo sucesso na empreitada internacional. Um deles, logo no início da relação estabelecida com o mundo Árabe, foi ter de adaptar os matadouros de frango para atender às exigências da religião islâmica. “A categoria de alimentos sofre grande reflexo da herança cultural de um país, influenciada fortemente pela sua história, pela sua colonização, pelo seu clima e pela sua religião”, justifica Camparini. Hoje, o frango nacional já sacia a fome de milhões de pessoas em 140 países. E haja ave para atender todo mundo. Somente em 2012, o Brasil exportou cerca de 3,9 milhões de toneladas do alimento, sendo a maior parte para o Oriente Médio (33,6%) e para o extremo Oriente (20,3%).

Enquanto isso, algumas gigantes em seus segmentos, como a Vale e a Petrobras, fazem o caminho inverso e estão procurando se desfazer de negócios no exterior. A estatal do petróleo anunciou, em outubro de 2012, que pretende deixar de investir em ativos fora do país, avaliados em US$ 14,5 bilhões, incluindo refinarias nos Estados Unidos e no Japão. A Vale, por sua vez, suspendeu, na semana passada, o projeto orçado em US$ 5,9 bilhões na Argentina, para o qual já havia desembolsado US$ 2,2 bilhões como parte da meta de se tornar uma das maiores fornecedoras de fertilizantes do mundo.

Procuradas, as duas companhias preferiram não comentar o assunto. “Essas duas empresas estão com problemas de caixa devido à forte interferência do governo — o principal acionista — em sua gestão, como o congelamento de preços da gasolina e a antecipação de dividendos. Isso tem dificultado a continuidade dos planos de investimentos delas”, ressalta Nogami, do Insper.