Título: Dilma quer do papa o respeito à diferença
Autor: Tranches, Renata; Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Correio Braziliense, 19/03/2013, Mundo, p. 14

Na véspera da inauguração do pontificado de Francisco e do encontro com o novo papa, a presidente Dilma Rousseff elogiou ontem a defesa dos pobres, mas pediu que as “opções diferenciadas das pessoas sejam compreendidas”. Ela terá uma reunião privada com o pontífice argentino, hoje, depois da cerimônia — a primeira com a participação de um chefe de Estado brasileiro. Dilma deverá oficializar o convite para a Jornada Mundial da Juventude, que ocorrerá no Rio de Janeiro, entre 23 e 28 de julho. O papa Francisco assume a liderança da Igreja Católica imprimindo um novo estilo, que chama a atenção do mundo. São esperadas as delegações de 132 países e 31 chefes de Estado e de governo. O Vaticano estima que 250 mil pessoas deverão acompanhar a celebração em Roma.

Após desembarcar na capital italiana, no domingo, Dilma tentou despistar a imprensa, mas falou com jornalistas na saída do museu Scuderie del Quirinale, depois de prestigiar uma exposição dedicada ao pintor renascentista Ticiano. A presidente disse que a Igreja tem um papel a cumprir e considerou “uma postura importante” a aproximação com os pobres. “É claro que o mundo pede, hoje, além disso, que as pessoas sejam compreendidas e que as opções diferenciadas delas sejam compreendidas.”

Dilma não especificou quais seriam essas “opções diferenciadas”, mas elas podem ter relação com posições divergentes. Durante a campanha, em 2010, setores da Igreja se manifestaram contra a eleição dela, supostamente por sua posição favorável ao aborto. Para Fernando Altemeyer Jr., professor de teologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-SP), as diferenças não afetarão as relações com o Vaticano. “Haverá tensões ao se tentar avançar em questões como, por exemplo, o casamento gay. Mas isso faz parte do debate democrático, que também é o da Igreja.”

A líder brasileira elogiou o fato de o chefe da Igreja Católica ser proveniente da América Latina. “Um papa latino-americano é uma honra para a América Latina. É uma afirmação da região”, disse. Também ontem, em visita à sede da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), Dilma voltou a falar sobre o pontífice. “Um papa preocupado com a questão dos pobres no mundo mundo tem um papel especial. Ele cumpre os princípios básicos que inspiraram o cristianismo”, disse. Ela admitiu que conversaria com Francisco sobre a fome e a pobreza, durante o encontro que terão hoje à tarde. Antes, às 9h30 (5h30 em Brasília), Dilma participará da missa.

Pressão

A pressão feita por parlamentares católicos para que Dilma fosse ao Vaticano encontrar-se com o papa não incomoda a bancada evangélica na Câmara dos Deputados. Apesar da polêmica envolvendo a posse do deputado pastor Marcos Feliciano (PSC-SP) como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDH), os parlamentares ligados às igrejas evangélicas afirmam que ela viajou na qualidade de chefe de Estado para se reunir com outro governante. “São situações completamente diferentes (a visita e a polêmica na CDH), que não provocam qualquer desconforto conosco”, disse o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado João Campos (PSDB-GO).

A viagem ao Vaticano seria uma estratégia da presidente de blindar-se contra as divergências enfrentadas na campanha de 2010. Na ocasião, o papa Bento XVI criticou as posições da candidata petista e orientou que os padres e bispos brasileiros pregassem o voto contrário a quem defendesse a interrupção da gravidez. Quando Bento XVI renunciou, em fevereiro, o governo brasileiro não emitiu qualquer nota, o que provocou estranheza. Segundo apurou o Correio, Dilma não estava muito disposta a viajar até o Vaticano. “Nós mostramos a ela que seria um erro político gigantesco para a presidente da maior nação católica do mundo”, confirmou um parlamentar da bancada católica. “Não custa nada para a presidente ter um gesto de boa vontade com o papa”, acrescentou outro político ligado à Igreja.

Líder do PR na Câmara, Anthony Garotinho (RJ) afirmou que, apesar de divergências ideológicas, os evangélicos respeitam a entidade Igreja Católica e o papa, líder de uma religião cristã. “As primeiras declarações dele foram muito alvissareiras, ao conclamar as pessoas a ajudar os pobres e os sofredores. Nós também defendemos isso”, completou Garotinho.

“É claro que o mundo pede hoje, além disso (da preocupação com os pobres), que as pessoas sejam compreendidas e que as opções diferenciadas das pessoas sejam compreendidas” Dilma Rousseff, presidente do Brasil