Título: Cristina pede pelas Malvinas
Autor: Valente, Gabriela Freire
Fonte: Correio Braziliense, 19/03/2013, Mundo, p. 15

A presidente argentina apela ao papa por mediação para a abertura de diálogo com os britânicos

A presidente Cristina Kirchner aproveitou a visita ao papa Francisco, argentino como ela, para pedir a intervenção da Igreja Católica na disputa com o governo do Reino Unido pelas Ilhas Malvinas, ocupadas pelos britânicos sob o nome de Falklands. “Eu pedi a mediação para que se inicie um diálogo entre as partes”, declarou a presidente depois de almoçar com o papa, na véspera da missa inaugural do pontificado. Cristina foi a primeira chefe de Estado a reunir-se com o pontífice e lembrou que, em 1978, o polonês João Paulo II intercedeu para evitar uma guerra entre o Chile e a Argentina na disputa por ilhas no Canal de Beagle. “Agora, temos uma oportunidade histórica muito diferente, muito mais favorável”, disse ela, lembrando que hoje se trata de um contencioso entre duas democracias, enquanto a questão de Beagle opunha dois regimes militares.

Como arcebispo de Buenos Aires, o cardeal Bergoglio — agora papa Francisco — chegou a afirmar que o Reino Unido “usurpou” a soberania argentina nas Malvinas. No entanto, Carlos Eduardo Vidigal, doutor em relações internacionais e professor da Universidade de Brasília (Unb), duvida que o pontífice atenda o pedido da presidente. “Quando houve mediação papal no caso da disputa entre Argentina e Chile, a ação da Santa Sé foi acordada pelas duas partes. No caso das Malvinas, os ingleses não aceitariam essa intervenção”, avalia Vidigal. O especialista sustenta que a aproximação de Cristina ao pontífice, assim como o discurso nacionalista em torno do arquipélago, sinaliza preocupação com as eleições de 2015. “A questão eleitoral fala mais alto, e ela trata de manter um bom relacionamento com o papa desde já. Atritos, no momento, poderiam prejudicar seus planos políticos.”

A governante argentina, que por anos viu no cardeal Bergoglio um opositor, parece ter deixado de lado as diferenças. De acordo com o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, os dois tiveram uma conversa “informal” de cerca de 20 minutos, antes do almoço. A chefe de Estado presenteou o pontífice com um kit para chimarrão, com cuia e bomba, e saiu do encontro comemorando o “presente” que leva para Buenos Aires: “Nunca um papa me beijou”, disse Cristina, segundo o jornal La Nación. A presidente contou que conversou com o anfitrião sobre figuras históricas da América do Sul, como San Martín e Simón Bolívar, e que se emocionou ao ouvi-lo chamar a América Latina de “pátria grande” — como na linguagem bolivariana.

Pesquisa

Apesar de 54,2% dos argentinos estarem orgulhosos pela eleição de um compatriota como papa, uma parcela significante espera mudanças profundas na Igreja Católica, segundo levantamento da consultora Ibarômetro. O estudo indica que 82,7% dos entrevistados querem que o Vaticano permita o uso de preservativos e que 59,7% pedem a aceitação da homossexualidade. De acordo com o sociólogo Ignacio Ramírez, responsável pela pesquisa, os dados mostram uma “aceitação que se apoia no nacionalismo e no gestual do papa”, mas que não implica “febre religiosa”. Outra pesquisa, realizada pela Management & Fit, aponta que 52,4% dos argentinos creem que o pontificado de Francisco terá impacto sobre o governo.

Cristina Kirchner visitou o pontífice com uma comitiva de 12 membros. No entanto, o jornal Clarín indica que o número de integrantes do governo e dirigentes sociais que devem acompanhar o coroamento do pontífice pode chegar a 140 pessoas. Ainda segundo a publicação, a presidente desembarcou do avião presidencial, o Tango 01, no Marrocos e deixou-o sob custódia do rei Mohamed VI, um aliado. A presidente seguiu para Roma em avião comercial a fim de evitar que a aeronave fosse retida, como aconteceu com a fragata Liberdade, impedida de deixar o porto de Gana, em outubro passado, quando a Justiça local acatou o pedido de um fundo de investimentos que reclamava uma dívida da Argentina na Justiça internacional.

Cubanos terão Sexta-Feira Santa

Em um gesto de aproximação endereçado ao Vaticano, o presidente de Cuba, Raúl Castro, decretou o “recesso das atividades laborais” no próximo dia 29, a Sexta-Feira Santa, de acordo com um comunicado publicado ontem no jornal estatal Granma. Já no ano passado, o líder cubano havia decretado feriado na Sexta-Feira Santa, porém, “em caráter excepcional” e atendendo pedido feito pelo papa Bento XVI durante visita à ilha. As relações entre o regime comunista de Havana e a Igreja foram instáveis nos últimos 50 anos, alternando períodos de confronto e distensão, mas nunca foram interrompidas. Uma fase de maior proximidade começou com a visita de João Paulo II à ilha, em janeiro de 1998, ainda sob o comando de Fidel Castro, substituído no poder pelo irmão Raúl em 2006.