Título: Exposta por ser mulher
Autor: Almeida, Kelly; Rodrigues, Gizella
Fonte: Correio Braziliense, 20/03/2013, Cidades, p. 21

Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça aponta que a estrutura judiciária do Distrito Federal está preparada para receber as denúncias sofridas por vítimas de ex-companheiros. Mesmo assim, a quantidade de agressões e assassinatos continua alta na capital do país

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Em 15 de dezembro de 2008, Ana Paula Mendes de Moura, então com 33 anos, foi assassinada a facadas pelo ex-marido, em frente ao restaurante onde ela trabalhava, na 404 Norte. Seis meses antes, a professora Josiene Azevedo de Carvalho havia sido vítima da covardia do ex-companheiro, o bombeiro Antônio Glauber Evaristo Melo. Ela levou um tiro na cabeça e morreu na hora. Em 2011, a estudante Suênia Sousa Faria também acabou morta pelo advogado Rendrik Vieira Rodriguesm, ex-namorado. Só neste mês, pelo menos três mulheres foram assassinadas pelos ex-companheiros.

Os casos registrados no DF também são frequentes no Brasil. O país aparece como o sétimo com o maior número de crimes contra a mulher, segundo o Mapa da Violência publicado em 2012 pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela). A média nacional é de 4,6 mortes para cada 100 mil cidadãs. Nos últimos 30 anos, foram assassinadas cerca de 92 mil pessoas do sexo feminino, tendo sido 43,7 mil apenas na última década. Estudo divulgado ontem pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) confirma a exposição da mulher à violência e revela que 677 mil processos tramitaram no país entre 2006 e 2011.

Do total de ações, 50.462 mil correram na capital do país. O número coloca o DF como o quarto no ranking das 27 unidades da Federação com o maior número de processos, atrás apenas de Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais (veja gráficos). Se levada em consideração a população feminina residente no quadrilátero, a região pula para a segunda posição, com 3.762 ações por cada grupo de 100 mil mulheres.

O alto número de processos no DF pode ser explicado, segundo o CNJ, pela boa estrutura judicial no atendimento às vítimas. Desde a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, surgiram no Brasil 66 varas ou juizados exclusivos para o julgamento de ações de violência contra elas. Dez delas ficam no D, o maior número do país. Com três a menos estão São Paulo e Rio. A média por aqui é de uma vara para cada 134.128 cidadãs, a menor do país.

No estudo, o conselho constatou a “significativa desproporcionalidade” entre as unidades da Federação. “Apenas para exemplificar, enquanto o Distrito Federal (que tem população de 2.609.997 pessoas) possui 10 varas ou juizados, o Rio Grande do Sul e o Paraná, que têm contingente populacional quase cinco vezes maior (10.732.770 e 10.512.152, respectivamente), possuem apenas uma vara”, relata o estudo. O órgão recomenda a criação de 54 varas em todo o Brasil.

É no DF também que está a melhor estrutura para o julgamento das ações. Cada vara exclusiva conta, em média, 39 servidores e 4,5 juízes, enquanto a média nacional é de 15 funcionários e 1,6 magistrado. Por isso, o DF também lidera, ao lado do Amapá, o ranking de maior produtividade, ambos com 85% de processos julgados em relação aos que estão em tramitação. Em seguida, aparecem Rio Grande do Sul (76%) e Rio de Janeiro (71%) — a média do Brasil é de 57%.

Medidas protetivas Não ter persuadido a irmã a procurar ajuda da polícia e da Justiça é um arrependimento que Silene Sousa Faria carrega há quase dois anos. Em setembro de 2011, a estudante de direito Suênia Sousa Faria, 24 anos, foi assassinada com três tiros por Rendrik Vieira Rodrigues, 35. Após dois meses de um conturbado relacionamento, ele ameaçava e perseguia a vítima, que terminou com ele após reatar com o marido.

Apesar das ameaças, Suênia não registrou ocorrência, o que daria início a um processo judicial e garantiria a aplicação de medida protetiva. Ela tinha medo da reação de Rendrik quando recebesse a intimação. “Não sei se teria resolvido a situação, ele estava determinado a fazer maldade com ela. Mas quem sabe? Ela não pensava que isso ia acontecer, muito menos a gente”, lamenta.

No caso de Ivoneide de Oliveira Santana, 24 anos, nem mesmo uma determinação judicial impediu que o ex-companheiro Cássio Santana da Cruz, 33, tentasse matá-la. Na última segunda-feira, ele atirou cinco vezes contra ela e seis contra o chefe dela por acreditar que eles tinham um relacionamento. Ambos sobreviveram, mas seguem internados em hospitais. Os crimes aconteceram em Taguatinga.

Os dados do CNJ mostram que, entre as 280 mil medidas protetivas aplicadas no país, 12,4 mil foram no DF, o que representa 931 decisões para garantir a proteção da pessoa ameaçada para cada grupo de 100 mil mulheres. Pesquisa do Ministério da Justiça aponta que, de setembro de 2006 a setembro de 2011, 81 mulheres morreram vítimas de violência doméstica na capital.

Palavra de especialista

Postura machista

“A questão da violência contra a mulher não é só jurídica, é uma característica cultural da sociedade brasileira. Esse exemplo só escancara essa prática corriqueira: o homem cria a imagem de posse da mulher. Independentemente das relações que ela tinha, ele criou fantasias e tentou matá-la. Essas histórias são comuns e, especialmente em março, tivemos casos significativos de ex-companheiros assassinando mulheres em Brasília. Muito se questiona sobre o equilíbrio psicológico desse homem, mas isso não está associado à capacidade psíquica, mas da postura machista dele sobre a mulher. A Lei Maria da Penha é um passo muito significativo, mas ela tem de ter um conjunto de ações estatais, como prisões preventivas e medidas restritivas. Mesmo vítima de violência, a mulher não acredita que o companheiro pode fazer mais, como dar outro tapa. Elas têm que começar a despertar para os sinais de violência além da física, violências que não deixam marcas no corpo.”

Luana Natielle é advogada e assessora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFemea)

Três perguntas para

Ana Cristina Melo Santiago, titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher

A Lei Maria da Penha mudou a forma como a violência contra elas é tratada? Ela veio tirar do escuro e dar visibilidade a esse problema, que era tratado com vergonha. As mulheres achavam que elas eram as culpadas. Hoje, temos profissionais, tanto na polícia quanto na Justiça, habilitados e preparados para lidar com esse problema.

Qual é a orientação da polícia para que as mulheres não continuem como vítimas? Até a mulher chegar ao balcão de uma delegacia e registrar a ocorrência, ela precisa romper vários obstáculos, como o medo e a incerteza. Mas não há saída. Ela precisa denunciar. As mulheres precisam entender que devem procurar ajuda nos primeiros sinais. Não podem aceitar determinadas condutas, como ameaças, injúrias e vias de fato como normais.

Qual é a importância da medida protetiva? Dar mais segurança às vítimas. A mulher não pode trabalhar com o medo. Ela não tem como prever se vai ser melhor ou pior com a medida. Ela precisa denunciar, pois, se são detentoras das medidas protetivas e o companheiro ou ex-companheiro descumpre, a situação dele vai se agravando.