Título: A verdadeira morte de Herzog
Autor: Medeiros, Étore
Fonte: Correio Braziliense, 16/03/2013, Política, p. 5

Depois de quase 38 anos de espera e indignação, a família de Vladimir Herzog recebeu ontem a nova certidão de óbito do jornalista, que morreu em 25 de outubro de 1975. No documento, emitido por ordem do juiz Márcio Bonilha Filho, a pedido da Comissão Nacional da Verdade (CNV), passou a constar a causa da morte por “lesão e maus tratos”, substituindo “morte por asfixia mecânica”, expressão registrada no documento original, emitido durante a ditadura militar.

Vladimir Herzog, nascido na Croácia, era diretor da TV Cultura de São Paulo quando foi convocado a prestar esclarecimentos sobre sua ligação com o Partido Comunista Brasileiro ao Departamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), do II Exército, em São Paulo. O jornalista compareceu ao local e foi torturado até a morte. À época, o Exército alegou que Herzog teria se enforcado com um cinto do uniforme de presidiário. Uma foto foi montada para apoiar a versão.

A entrega da nova certidão de óbito de Herzog ocorreu em cerimônia no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo. O documento foi recebido pela viúva do jornalista, Clarice, e pelos filhos do casal, Ivo e André. “O atestado conserta um absurdo feito contra a família, uma humilhação, de nos forçar a aceitar que ele teve uma atitude covarde de suicídio. A maior alegria é pelo que isso pode significar para outras famílias que passam até hoje pela mesma tortura”, afirmou Ivo, diretor do Instituto Vladimir Herzog, em entrevista ao Correio. “Eu cresci sem pai, cresci embaixo da sombra de um mártir da ditadura”, lamentou.

Ivo torce para que o Supremo Tribunal Federal reveja a posição adotada quanto aos crimes do passado militar do país, entre 1964 e 1985.O entendimento do STF é que a anistia vale tanto para as forças de resistência ao golpe quanto para os militares envolvidos em torturas e outros crimes.

O deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG) endossa o pedido da família Herzog. “Em algum momento o Brasil vai ter de saldar essa dívida”, afirma. Para Miranda, que foi secretário de direitos humanos da Presidência da República, a apuração dos crimes da ditadura seria um ajuste necessário para o futuro da democracia brasileira. “O caminho do processo democrático é de desfazer a impunidade dos crimes contra a humanidade cometidos no passado. Recuperar esse passado é o primeiro passo para evitar a repetição da tortura e das execuções, que acontecem até hoje”, conclui.

Alexandre Vannuchi O evento de ontem também foi marcado pelo reconhecimento da anistia política e um pedido oficial de desculpas do Estado brasileiro à família de Alexandre Vannuchi Leme. Militante da Ação Libertadora Nacional e estudante de geologia da USP, ele tinha 22 anos em 16 de março de 1973, quando foi preso e torturado até a morte, também por agentes do Doi-Codi-SP. Assim como no caso Herzog, o regime militar forjou uma versão para a morte de Alexandre – a de que ele havia sido atropelado ao tentar fugir da prisão. Nove depoimentos de presos desmentiram os militares, afirmando que Vannuchi foi visto morto, ensanguentado, sendo arrastado para for a de sua cela.