Correio braziliense, n. 20962, 14/10/2020. Política, p. 2

 

Sob tensão, STF julga caso de traficante

Renato Souza 

Sarah Teófilo 

14/10/2020

 

 

Com um clima de racha entre os ministros, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) analisa, hoje, a liminar deferida pelo ministro Marco Aurélio Mello que resultou na soltura do traficante André Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos líderes da organização criminosa Primeiro Comando Capital (PCC). O caso foi levado à avaliação do colegiado pelo presidente da Corte, Luiz Fux. No sábado, horas após a decisão do colega, ele reverteu a determinação que tirou o criminoso de trás das grades. No entanto, ele não foi mais encontrado. A suspeita é de que tenha fugido para o Paraguai.

A decisão de Marco Aurélio gerou desconforto entre os magistrados, e a tendência é de que seja revista pela maioria dos ministros. André do Rap estava preso desde novembro de 2019 e já tinha duas condenações que somam mais de 25 anos de prisão. No entanto, ele recorre em liberdade de ambas e estava em prisão preventiva. Ao soltar o criminoso, o ministro usou trecho do pacote anticrime aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro que alterou o artigo 316 do Código Penal. De acordo com o texto da lei, as prisões preventivas devem ser renovadas a cada 90 dias. O magistrado entendeu, então, que estava configurado “constrangimento ilegal” e suspendeu a prisão. Horas depois, Fux revogou a liminar concedida pelo colega e determinou que André do Rap voltasse para a cadeia.

Marco Aurélio irritou-se e fez críticas públicas ao presidente do Supremo. Em entrevista ao Correio, no sábado, chamou de “circo” a decisão do colega. “Ele (Fux) adentrou o campo da hipocrisia, jogando para a turba e dando circo a quem quer circo. A decisão é péssima e um horror. É lamentável e gera uma insegurança enorme, além de acabar por confirmar a máxima ‘cada cabeça, uma sentença’. Ele não é superior a quem quer que seja. Superior é o colegiado. Essa autofagia leva ao descrédito”, disse.

Pelas redes sociais, o ministro Alexandre de Moraes, sem citar nomes, afirmou que o tráfico de drogas deve ser combatido pelo Poder Judiciário. “A criminalidade organizada que comanda o tráfico de drogas é um câncer que precisa ser extirpado. É responsável pela maioria dos homicídios no país. Jamais permitiremos que continuem a escravizar as comunidades e os brasileiros de bem. A Justiça tem o dever de combater esse mal”, escreveu.

Fux tende a ser mais rigoroso na aplicação de lei do que a chamada ala garantista do STF. Até agora, dois ministros — Edson Fachin e Gilmar Mendes — divergiram em decisões de Marco Aurélio, o relator da Operação Lava-Jato, defendida por Fux. Com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, ontem, Marco Aurélio passou a ser o decano da Corte, ou seja, o ministro mais antigo no plenário, que passa a ser integrado por 10 magistrados até que um indicado pelo presidente Jair Bolsonaro seja aprovado pelo Senado. Atualmente, o desembargador Kassio Marques aguarda manifestação do parlamento (leia reportagem na página 3).

Reações

Além da divisão no plenário do Supremo, o caso gerou reações no Ministério Público, pois se ventilou a ideia de que o órgão é que deve pedir a continuidade da prisão preventiva após seis meses da entrada do interno no local de detenção. Em nota conjunta, divulgada na segunda-feira, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) negaram eventual omissão do MP e reforçaram que a obrigação de revisar a manutenção da prisão, a cada 90 dias, é imposta apenas ao juízo de primeiro grau ou ao tribunal que impôs a medida cautelar.

No posicionamento, as entidades também lançaram críticas a Marco Aurélio. “Em posição até agora isolada, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, vem compreendendo que, configurado o excesso de prazo da prisão, deve ser determinada a soltura do preso. Quando do julgamento do mérito desses casos, a 1ª Turma do STF tem refutado o argumento e vem cassando as liminares deferidas. No caso do réu André do Rap, a soltura foi determinada, inclusive, antes de qualquer ouvida do MP”, diz um trecho da nota.

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Foco na prisão após 2ª instância 

Luiz Calcagno 

14/10/2020

 

 

A decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), de soltar o traficante André do Rap, um dos líderes da organização criminosa Primeiro Comando Capital (PCC), reacendeu os debates, na Câmara, sobre a retomada da comissão especial que analisa a proposta de emenda à Constituição (PEC) 199/2019 sobre prisão após condenação em segunda instância. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o texto pode ser votado ainda neste ano.

Ao Correio, o relator da proposta, deputado Fábio Trad (PSD-MS), disse que o parecer está pronto para ser votado na comissão.

André do Rap fugiu do Brasil em um jatinho fretado horas após deixar a prisão. A suspeita é de que ele esteja no Paraguai. Para o líder do Podemos na Câmara, Leo Moraes (RO), a decisão do ministro Marco Aurélio evidencia a necessidade de acelerar a tramitação da PEC. Ele protocolou um pedido de retomada dos trabalhos da comissão especial. De acordo com o parlamentar, a soltura do traficante provocou um clamor na população e o caso tem potencial para sensibilizar o Congresso. “Pedimos o funcionamento da comissão. Reabrir os trabalhos de imediato. Senão, vai para o outro ano legislativo. Depois, eleição. São pautas de reaproximação dos representantes com a população, que anseia por isso”, destacou.

No requerimento, o partido pede que o Congresso regule a prisão após condenação em segunda instância. “A questão não pode ficar ao alvedrio do Poder Judiciário, cuja jurisprudência tem mudado constantemente de orientação, beneficiando criminosos notórios, como exemplifica a recente decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, que concedeu habeas corpus ao traficante internacional André do Rap”, afirma o texto.

A Frente Parlamentar da Segurança Pública, conhecida como Bancada da Bala, também se movimentou, mas para alterar o artigo 316 do Código de Processo Penal, criado pelo pacote anticrime. O líder do grupo, deputado Capitão Augusto (PL-SP), protocolou um projeto de lei para revogar o trecho. “Esse artigo 316 foi incluído no pacote à revelia minha e contra a vontade do ministro Sergio Moro (então titular da pasta da Justiça). O grupo votou para incluir no pacote e votou o mérito sem ouvir ninguém em audiência pública”, argumentou. “Nós tínhamos o receio de deixar algo automático. E nem excluía casos de crimes hediondos, pedofilia, tráfico e entorpecentes. Atingia o ladrão de bolacha e os líderes de facção.”

Maia, por sua vez, ressaltopu que o debate sobre a PEC 199 está adiantado e pediu que parlamentares não misturem as questões. “A gente tem de retomar algumas comissões especiais. Acho que é retomar os trabalhos, completar o prazo mínimo que já deve estar próximo, de 11 sessões, para, a partir daí, votar na comissão e, depois, no plenário. Essa é prioridade”, disse. “É um tema polêmico. Eu não quero tratar da questão objetiva da decisão do ministro Marco Aurélio, pois é uma questão do Judiciário”, destacou.

Já sobre a revogação do artigo 316, o presidente da Câmara disse não haver espaço. Ele destacou que existem pessoas presas preventivamente por até nove meses e sem uma denúncia. “Não é esse caso do traficante, mas não acho que a lei seja um problema. É (problema) do Judiciário. Tirando esse caso, que é um que gera muita comoção na sociedade, temos várias pessoas que ficam anos presas sem nenhum tipo de análise. Principalmente, as mais pobres, que não têm advogado. E nas discussões da Câmara com o governo, o assunto não entrou.”