Valor econômico, v. 21, n. 5129, 17/11/2020. Brasil, p. A6

 

Planalto ainda busca saída para bancar novo Bolsa Família

Lu Aiko Otta

Renan Truffi

Raphael Di Cunto  

Edna Simão

17/11/2020

 

 

Plano de definir o Renda Cidadã não foi abandonado, apesar do ceticismo da equipe econômica

Apesar do ceticismo na área econômica quanto a avanços na agenda fiscal ainda neste ano, integrantes do Palácio do Planalto marcaram uma reunião, a ser realizada até quinta-feira, com o relator das propostas de emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo e Emergencial, senador Marcio Bittar (MDB-AC). A ideia é tentar chegar a um novo consenso sobre a fórmula de financiamento do Renda Cidadã.

Bittar também é o relator do Orçamento de 2021. De acordo com fontes envolvidas nas negociações, o senador do MDB já apresentou novas opções de medidas de austeridade que poderiam garantir o custeio do renda, em substituição ao atual Bolsa Família. Mas nada está definido. A partir de agora, dependerá do governo.

Segundo um interlocutor, o relator já deu a entender que só vai apresentar a proposta se tiver apoio do Executivo. Por isso, ele tem evitado falar em datas para a apresentação de seu parecer.

Trata-se de uma discussão difícil de ser travada neste momento, com o segundo turno eleitoral à frente, avalia-se no governo. Nesse cenário, temas polêmicos serão deixados de lado.

Embora o resultado das urnas desfavorável ao presidente Jair Bolsonaro exerça uma pressão adicional pelo lançamento de um substituto robusto para o auxílio emergencial, na área econômica esse movimento é dado como improvável. Primeiro, porque há dificuldades nas contas públicas no médio prazo.

Segundo, porque a estratégia para contrapor a provável paralisação da agenda fiscal no Congresso é não anunciar mais nenhum gasto novo este ano. Com isso, será reforçada a mensagem de retomada da consolidação fiscal em 2021.

Assim, o desfecho mais provável para o programa social, segundo se comenta na área econômica, é iniciar o ano que vem com o Bolsa Família, no formato de antes da pandemia.

O fortalecimento do programa e a formação do Renda Cidadã são discussão para depois das eleições das mesas da Câmara e do Senado, avalia uma fonte.

Na Câmara, o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), reforçou que a agenda não será destravada de imediato. Disse ao Valor que as decisões sobre a reformulação do Bolsa Família, a reforma tributária e a PEC Emergencial serão tomadas após o segundo turno das eleições, para evitar a contaminação das propostas pelo debate eleitoral. “Vamos fazer isso depois do segundo turno, porque, se nós provocarmos o debate antes da hora, durante a eleição, teremos os mesmos posicionamentos eleitorais”, disse Barros.

Para ele, os parlamentares podem ser instados a criticar as propostas por seus aliados que disputam a eleição e depois será difícil reverter esse posicionamento. “A eleição é daqui dez dias, o Brasil tem que resolver [problemas] de longo prazo”, minimizou.

Por esse calendário, restarão três semanas e meia para resolver tudo até o recesso, já que a base na Câmara não quer fazer sessões em janeiro para não dar mais espaço ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Maia convocou sessão só para amanhã e a meta do governo é votar o novo marco da navegação de cabotagem. Além desse projeto, a equipe econômica tem esperança na votação apenas de algumas pautas técnicas neste ano, como a nova Lei de Falências.

Deve também ser aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, sem a qual não será possível ao governo gastar a partir de 1º de janeiro.

A provável paralisia da agenda fiscal contraria os sinais dados pelo governo nas últimas semanas, de que a pauta seria destravada após as eleições. A falta de avanço nas reformas estruturais emite um sinal negativo para o mercado, parcialmente contrabalançada pelos sinais de retomada da economia, avalia uma fonte.

Ela acrescenta que ainda não é possível saber como o resultado das urnas, que apontou uma orientação mais ao centro do espectro político, vai afetar a correlação de forças no Congresso e se isso vai favorecer ou dificultar a aprovação de temas polêmicos de interesse do governo.

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Ajuda de R$ 300 por mais 4 meses teria custo de R$ 15 bi, diz IFI

Fabio Graner

17/11/2020

 

 

Cenário foi traçado com universo de cerca de 26 milhões de pessoas, menos da metade do contingente atual

A manutenção do auxílio emergencial por quatro meses com o valor R$ 300 no ano que vem e para um universo de cerca de 26 milhões de pessoas (menos da metade do contingente atual) teria um custo fiscal de R$ 15,3 bilhões. A conta foi apresentada pela Instituição Fiscal Independente (IFI), na divulgação do seu Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), em que revisou as suas principais projeções.

Não se trata de uma proposta de continuidade dessa política, que teoricamente acaba em 31 de dezembro. A IFI busca, na verdade, mostrar qual seria o custo se a opção fosse de pelo menos dar mais recursos aos beneficiários do Bolsa Família e para o contingente que ficou desempregado durante a pandemia. Outros cenários foram simulados para tentar mapear esse “risco fiscal” do próximo ano, diante da indefinição do governo sobre o auxílio.

O diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, evitou dizer se essa medida deve ou não ser adotada. Mas alertou que é preciso deixar claro de que maneira essa despesa eventualmente será financiada, caso seja adotada. Ele lembrou que o espaço no teto de gastos no ano que vem estará mais apertado, com a despesa discricionária em níveis muito baixos (1,5% do PIB), o que dificulta acomodar novos gastos.

Para o economista, mais importante que a questão de estourar ou não o teto para financiar essa despesa é retirar a incerteza sobre o tema, que tem afetado os prêmios de risco. “Falta mais transparência, dizer qual vai ser o futuro da regra fiscal, do primário, do conjunto da obra”, disse Salto. “Há uma indefinição muito grande.”

O órgão, ligado ao Senado, de forma geral apresentou um cenário econômico menos dramático do que em junho. A expectativa para a atividade econômica, por exemplo, passou de queda de 6,5% para um recuo de 5% neste ano.

“A retomada delineada nos dados da produção industrial, do nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação e das vendas do comércio varejista vem ocorrendo de maneira mais intensa do que era esperado pela IFI no cenário-base apresentado em junho”, diz o documento. “A melhora pode ser explicada pelo efeito da flexibilização das medidas de isolamento social, do impulso da reabertura das atividades produtivas e do impacto sobre a demanda das políticas de compensação de renda.”

Para 2021, a estimativa de expansão passou de 2,5% para 2,8%. Na prática significa um ano morno, já que quase toda essa alta será efeito estatístico deste fim de ano, calculado em 2,7 pontos percentuais pelo analista Rafael Bacciotti. “A dúvida quanto à evolução da demanda interna após a retirada dos estímulos fiscais, em um quadro de pronunciada deterioração do mercado de trabalho, pode limitar o ritmo de recuperação da atividade no próximo ano. O mesmo efeito pode advir da piora nas condições financeiras, percebida na elevação do prêmio embutido na curva futura de juros”, diz a IFI.

Para a entidade, o PIB do país deve retornar ao patamar pré-pandemia apenas em 2022. O ponto negativo das projeções foi para o mercado de trabalho. A IFI estima que o desemprego chegará a 16% em 2021, cenário bem pior que o anterior (13,2%). “A recuperação para 2021 é de fato modesta, não é suficiente para recompor o PIB nominal”, acrescentou Salto. “Acho que a conjuntura impõe que a questão fiscal seja sopesada com a questão da recuperação econômica”, disse o diretor da IFI, evitando, contudo, dar sugestões.

Além da economia, a IFI melhorou bastante seu cenário fiscal, ainda que o novo quadro esteja longe de ser tranquilo. Com o PIB melhor e também uma estimativa de ingresso de receitas mais intensa no caixa federal, a expectativa de déficit primário neste ano caiu quase R$ 100 bilhões, para R$ 779,8 bilhões. “A principal mudança a explicar a revisão está no ingresso de recursos referentes a impostos diferidos entre abril e junho”, explica a IFI, que projeta receita líquida de R$ 1,18 trilhão em 2020, ante R$ 1,09 trilhão na previsão de junho.

Nessa ambiente, a estimativa para a relação dívida bruta/PIB caiu de 96,1% para 93,1% neste ano. Para 2021, a previsão é de 96,2%. Nos novos cálculos, a dívida só vai superar os 100% do PIB em 2024, e não mais em 2022.

Também houve um tom menos negativo com o cenário para o teto de gastos. “Risco de descumprimento do teto em 2021 continua alto, mas cenário melhorou. Para cumprir o teto de gastos em 2021, as despesas discricionárias do Executivo deverão ir a R$ 112,7 bilhões ou 1,5% do PIB, patamar historicamente baixo para esse conjunto de gastos. Nesse contexto, há muito pouco espaço para novas despesas primárias em 2021, especialmente um novo programa de transferência de renda ou de investimento em infraestrutura”, diz a IFI.

Ela ressaltou a preocupação com o risco de rolagem de dívida pública. Cálculos da entidade apontam que, nesse ambiente, o Tesouro terá que fazer frente a uma necessidade de financiamento de R$ 112,1 bilhões até abril de 2021.

O número considera que em setembro havia um caixa de R$ 736,6 bilhões e ainda soma emissões de R$ 170,5 bilhões feitas em outubro. Por outro lado, contabiliza previsão de déficit de R$ 305,6 bilhões entre outubro deste ano e abril do ano que vem e vencimentos de dívida de R$ 713,6 bilhões. “Para fins de comparação, entre novembro de 2018 e abril de 2019 (incluídos os seis meses), foram emitidos R$ 115,7 bilhões. Já entre novembro de 2019 e abril de 2020, foram emitidos apenas R$ 40 bilhões”, apontou Salto.

“Isso mostra que, além do problema fiscal, do primário super deficitário, do problema do teto e das regras fiscais e da falta de sinalização, há um problema do lado financeiro. Nós estamos com dívida mais curta, o déficit e os juros pressionam mais essa dívida, e vão exigir do Tesouro provavelmente taxas que o mercado queira exigir para financiar essas necessidades adicionais”, acrescentou.