Valor econômico, v. 21, n. 5129, 17/11/2020. Política, p. A8

 

Bolsonaristas tentam reaquecer discussão sobre voto impresso

Raphael Di Cunto

Matheus Schuch

17/11/2020

 

 

Bolsonaristas voltam a questionar a confiabilidade das urnas eletrônicas

Liderados pelo presidente Jair Bolsonaro, que usou o atraso na apuração dos votos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para questionar a confiabilidade das urnas eletrônicas, parlamentares bolsonaristas voltaram a defender a impressão do voto para permitir a recontagem, ideia que foi rechaçada pela oposição no Congresso.

Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF) alimentaram nas redes sociais especulações de que o sistema brasileiro de votação não é confiável. Sem apresentarem provas, repetiram a estratégia do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de não reconhecer a derrota para manter sua base eleitoral mobilizada.

Kicis, por exemplo, replicou comentário de outro usuário no Twitter que acusou o TSE de fraudar a eleição simplesmente porque Guilherme Boulos (Psol), que disputará o segundo turno para prefeito de São Paulo, teria mais votos em uma única cidade este ano do que ele teve em todo o Brasil quando concorreu a presidente em 2018. “É de se estranhar”, concordou ela.

A deputada é autora de uma proposta de emenda constitucional (PEC) para tornar obrigatória a impressão do voto, para permitir a recontagem. O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em novembro de 2019, mas depende da criação de uma comissão especial para analisa-la. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não deu sinais de que fará isso e a decisão deve ficar com o futuro presidente, que será eleito em fevereiro.

O líder do PT na Câmara, deputado Ênio Verri (PR), defendeu que o atraso não justifica a volta do voto impresso. “Houve uma sobrecarga, um detalhe, e um atraso que não foi tão grande assim. O pessoal do Bolsonaro precisa de uma desculpa, até porque perdeu de lavada”, afirmou. “Não acredito que haja dúvidas sobre a lisura do resultado do pleito”, concordou o líder do PSB, deputado Alessandro Molon (RJ).

Para a deputada Perpétua Almeida (AC), líder do PCdoB, o erro foi o TSE concentrar a apuração dos votos de todo o país. “Mas não tivemos problemas nas urnas nem no sistema de contabilização.”

Maia disse que é a favor do voto impresso, mas que o atraso na apuração não pode servir para questionar a confiabilidade da urna eletrônica. “A gente não pode, de forma nenhuma, transformar um problema num computador numa dúvida em relação ao nosso sistema”, afirmou.

O Congresso já aprovou a impressão do voto em 2015, mas a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) vetou porque trocar as urnas por um modelo com impressoras custaria R$ 2 bilhões. O Congresso derrubou o veto, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou por suspender a lei por liminar e Bolsonaro aproveitou para elaborar teorias conspiratórias durante a eleição presidencial.

O presidente voltou ontem a afirmar que o Brasil é o único país a usar urnas eletrônicas - pelo menos outros 23 países, entretanto, usam o sistema. Em conversa com apoiadores, Bolsonaro disse que a dúvida “sempre vai permanecer” se “não tivermos uma forma confiável de apurar as eleições”.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Supercomputador do TSE não passou por todos os testes

Luísa Martins

Isadora Peron

17/11/2020

 

 

Barroso disse que há suspeitas de articulação de extremistas para ataques à Justiça Eleitoral

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou ontem que, devido à pandemia, o supercomputador contratado para realizar a totalização dos votos não chegou a tempo de ser submetido a todos os testes necessários antes do primeiro turno das eleições municipais.

Com contrato de cerca de R$ 26 milhões e validade de 48 meses, o sistema foi adquirido pelo TSE em março, mas só foi entregue em agosto. “Em razão das limitações nos testes prévios, a inteligência artificial do equipamento demorou a aprender sobre o processamento dos dados. Daí a lentidão e o travamento”, disse.

Em complementação, o secretário de Tecnologia da Informação (TI) do TSE, Giuseppe Janino, informou que, como a entrega do equipamento atrasou, três dos cinco testes previstos foram realizados em outros aparelhos. Quando o supercomputador chegou, foram feitos os outros dois, o que prejudicou a capacidade de “leitura” do sistema.

Barroso disse que a demora na divulgação dos resultados - mais de duas horas e meia, em comparação ao pleito de 2018 - “foi o tempo que os técnicos levaram para diagnosticar o problema e remediá-lo”. Ele também se corrigiu por ter informado, ainda no domingo, que a razão da lentidão teria sido uma pane em um dos hardwares do computador. “Não é mudança de versão, é atualização da nossa compreensão do que aconteceu.”

Em relação ao segundo turno, marcado para o dia 29, o ministro disse que está trabalhando para que o atraso não se repita. A Oracle, empresa contratada pelo TSE para prestar o serviço, será chamada a “ajudar a equacionar e prevenir o problema”. Como não há outra companhia que atue nesta mesma área, houve dispensa de licitação.

Para justificar a centralização da totalização dos votos no TSE - e não mais nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), como costumava ocorrer - a Corte alegou dois motivos. Primeiro, a redução de custos, estimada em R$ 1,3 milhão ao ano. Em segundo lugar, o aumento da segurança, conforme recomendação da Polícia Federal (PF).

Por isso, mesmo com as falhas, Barroso diz não ver motivos para voltar ao sistema antigo de soma de votos. “Não foi algo grave. Foi uma demora de duas horas, como um carro de Fórmula 1 que precisa parar no box para algum conserto, mas acaba vencendo a corrida”, comparou.

“O resultado foi anunciado no mesmo dia. Não estamos diante de problema dramático que nos obrigue a mudar de estratégia. Tivemos um pequeno problema, que trouxe uma pequena chateação e que buscaremos resolver.”

Barroso voltou a minimizar a lentidão na totalização dos votos e repetiu que essa diminuição no ritmo dos somatórios não trouxe qualquer prejuízo à integridade dos resultados computados.

Contudo, como a crise abasteceu os discursos que descredibilizam o sistema brasileiro de votação - comuns entre o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores -, ele acionou a PF. Em ofício, pediu que a corporação apure milícias digitais que, com motivação política, estejam atacando a Justiça Eleitoral.

“Há suspeita de articulação de grupos extremistas que se empenham em desacreditar as instituições, clamam pela volta da ditadura e muitos deles são investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”, disse ele, referindo-se ao chamado inquérito das “fake news”, que tramita desde março do ano passado.

Conforme o ministro, por ora são apenas “suspeitas e indícios”, sendo necessário investigar não só o ataque em si, mas a concentração de esforços para desestabilizar as instituições.

As informações falsas teriam surgido após a notícia sobre o vazamento de dados de funcionários do TSE, mas ganharam força depois das instabilidades registradas ontem.