Título: Francisco faz um chamado à sabedoria
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 16/03/2013, Mundo, p. 16

“Coragem, queridos irmãos! Provavelmente, metade de nós está na velhice. A velhice, dizem, é a fonte da sabedoria. Vamos doar nossa sabedoria aos jovens, como o bom vinho, que melhora com o tempo com o passar dos anos.” Cobrando e enaltecendo os cardeais, o papa Francisco reiterou ontem sua mensagem pastoral de reforço ao Evangelho como centro do catolicismo. O novo pontífice recebeu os auxiliares presentes em Roma na Sala Clementina do palácio apostólico e conversou em particular com todos eles, embora rapidamente.

Como na véspera, repetiu gestos simples e improvisou em alguns momentos, de maneira descontraída. Houve até uma cena de pura presença de espírito, quando tropeçou ligeiramente ao levantar-se para cumprimentar os pares — outra pequena quebra de protocolo.

O primeiro papa não europeu em 13 séculos vestia uma simples batina branca e a cruz de aço, mais uma vez dispensando o de ouro reservado aos papas. O pontífice argentino convidou os cardeais, seus colaboradores mais próximos na missão de comandar a Igreja mundo afora, a buscarem novos métodos de evangelização para “levar a verdade cristã a todos os extremos da Terra”. E pediu que resistam ao desânimo pelas crises da Igreja: “Não nos permitamos ceder ao pessimismo nem à amargura que o diabo nos oferece a cada dia”.

Francisco prestou mais uma homenagem ao papa emérito Bento XVI, com quem deve se encontrar nos próximos dias. Classificou como “corajosa e humilde” a atitude da renúncia, a primeira na Igreja em 600 anos, e anteviu que o pontificado do antecessor será “um patrimônio espiritual para todos”. Chamado de papa emérito desde 28 de fevereiro, Bento XVI está instalado na residência de verão de Castel Gandolfo. Quando receber a visita, ele deve entregar ao sucessor um dossiê sigiloso sobre os problemas da Igreja, apontados no vazamento de documentos conhecido como Vatileaks. Valeriano Santos Costa, diretor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), acredita que o papa Francisco saberá demonstrar firmeza. “Ele é conhecido como um homem muito duro quando tem de agir”, afirmou.

Enquanto não se encontra com Bento XVI, o papa Francisco segue sob a sombra do fiel secretário particular do papa emérito. O arcebispo alemão Georg Gänswein tem seguido os passos do novo papa, e ontem acompanhou-o na abertura do apartamento papal, lacrado desde a saída de Bento XVI. Gänswein continuará auxiliando ambos os papas.

Em reportagem divulgada pela imprensa oficial do Vaticano, o papa Francisco surpreendeu a Casa Generalícia dos Jesuístas ao telefonar para agradecer a mensagem recebida na véspera. Segundo o texto, divulgado no site do Vaticano, ele se apresentou dizendo: “Bom dia! Sou o papa Francisco e gostaria de falar com o padre Adolfo (o superior da Companhia de Jesus, Adolfo Nicolás)”. Incrédulo, o recepcionista teria perguntado: “O senhor telefona em nome de quem?”

Continuidade

Gestos como esse e os da véspera reafirmam indicações que ele deu logo depois de ser escolhido. “É uma pessoa simples, que deu sinais simbólicos de simplicidade com relação ao Vaticano e à forma como se conduz um papa dentro dele”, opinou Francisco Borba, coordenador do Núcleo Fé e Cultura, ligado à PUC-SP. Para Borba, a homilia de quinta-feira, na qual o papa advertiu que uma Igreja sem Cristo se tornaria uma ONG, foi uma colocação bastante típica das preocupações de Bento XVI. “Sua afirmação marca, de certa forma, a continuidade dos dois papados.”

Mas o novo papa difere muito de Bento XVI na maneira como pretende fazer-se ouvir, observa o estudioso. A grande diferença, segundo ele, é a noção de uma maior credibilidade na mensagem. “O fato de Francisco ter um histórico de cardeal humilde, próximo do povo, faz com que ele transmita coisas que pareceriam estranhas, e até falsas, vindas da boca de Bento”, disse.

“A velhice, dizem, é a fonte da sabedoria. Vamos doar nossa sabedoria aos jovens, como o bom vinho, que melhora com o tempo com o passar dos anos”

“Não nos permitamos ceder ao pessimismo nem à amargura que o diabo nos oferece a ada dia”

Papa Francisco

Visita ao estilo oão Paulo II Entre um compromisso e outro, o papa Francisco visitou um compatriota: o cardeal Jorge Mejía, 90 anos, internado em uma clínica de Roma após sofrer enfarte, na quarta-feira. Segundo informações da agência de notícias I.Media, especializada no Vaticano, o gesto lembrou o de João Paulo II, há 35 anos, quando visitou o cardeal polonês Andrzej Maria Deskur no dia seguinte à eleição. Também ontem, o novo pontífice pediu a seus compatriotas que não viajem a Roma para a missa de entronização, na terça-feira. Em vez disso, recomendou que os argentinos usem o dinheiro da viagem para ajudar os pobres. O pedido, porém, parece ter sido em vão: segundo a mídia local, os argentinos já esgotaram as passagens para a Itália nos próximos dias.