Título: Procissão em Caracas
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 16/03/2013, Mundo, p. 19

Uma multidão de simpatizantes acompanhou ontem nas ruas de Caracas o cortejo fúnebre que transferiu o corpo do presidente Hugo Chávez da Academia Militar — onde ficou exposto durante nove dias — e o Quartel de la Montaña, em um bairro que é reduto chavista, onde permanecerá por tempo indeterminado. A homenagem, que segundo as autoridades mobilizou centenas de milhares de pessoas, parou o trânsito de Caracas. Durante a manhã, uma missa em homenagem ao líder bolivariano foi celebrada no salão de honra da academia, seguida por uma cerimônia solene. O clima de despedida, mais uma vez, foi dominado pelo tom político-eleitoral, com pronunciamentos que exaltaram o presidente interino, Nicolás Maduro, candidato do chavismo à eleição do sucessor definitivo, convocada para 14 de abril.

Na abertura da cerimônia, com a presença de membros do governo, familiares do ex-presidente e militares, o general Jacinto Pérez Arcay comparou o presidente falecido a Simón Bolívar, líder da independência sul-americana, no século 19, e inspirador do chavismo. “Falar de Bolívar é falar de Hugo Chávez. No futuro, eles serão inseparáveis na mente dos povos da Terra”, declarou o militar, que foi professor do presidente falecido. Maria Gabriela, filha de Chávez, também fez um pronunciamento e afirmou que o pai devolveu o país aos venezuelanos. “Voe livre, gigante. Nós cuidaremos de sua pátria e defenderemos seu legado, como nos ensinou a fazer”, prometeu.

Nas ruas, o povo exibia bandeiras, flores e retratos e gritava lemas. “Não morrerá!”, garantiam os seguidores do presidente. O trajeto de 12km foi cumprido em pouco mais de duas horas, com transmissão da TV estatal. No quartel onde Chávez ficará, Maduro discursou depois do presidente boliviano, Evo Morales, e do irmão do líder morto, Adán Chávez, governador do estado de Barinas. O herdeiro, Maduro, exaltou o “Cristo redentor dos pobres da América” e prometeu vencer a eleição de abril. “Vou amanhecer aqui, comandante, não como presidente interino, mas como presidente constitucional”, declarou.

Para o pesquisador Thiago Gehre, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Maduro aproveita a comoção popular para garantir votos. “É estratégico que o Maduro assuma posturas semelhantes às de Chávez, neste momento em que a morte do presidente e o destino do corpo são explorado pelos dois lados.”

O destino do corpo de Hugo Chávez continua indefinido. A intenção do partido governista de embalsamá-lo esbarrou na demora para iniciar o processo de conservação. Por outro lado, mesmo que não consigam manter Chávez em um esquife de vidro para exposição, conquistar a aprovação da Assembleia Nacional para que o líder repouse ao lado de Simón Bolívar, no Panteão Nacional, seria uma vitória chavista na tentativa de mantê-lo na memória dos cidadãos. “Não importa o que aconteça, o panteão nunca será mexido. E, uma vez que Chávez estiver representado lá, vai se transformar em um ícone”, afirma Gehre.

Você é um gigante. Voe alto e forte, nós cuidaremos de sua pátria e defenderemos seu legado”

María Gabriela Chávez, filha do presidente Hugo Chávez

2 milhões Número de venezuelanos que foram à Academia Militar de Caracas para se despedir de Chávez, desde o começo do velório, em 6 de março.