Título: Barbosa ataca conluio de juízes e advogados
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Fonte: Correio Braziliense, 20/03/2013, Política, p. 4

Em julgamento no CNJ, o presidente do Supremo diz que existem "decisões graciosas, condescendentes e fora das regras" por causa da relação entre magistrados e defensores

DIEGO ABREU

GRASIELLE CASTRO

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, criticou ontem o que chamou de “conluio” entre juízes e advogados, durante a sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que ele também comanda. O chefe do Poder Judiciário reclamou do fato de magistrados receberem advogados sem a presença da outra parte e advertiu que um juiz deve evitar churrascos ou troca de e-mails com defensores.

As críticas de Barbosa foram feitas durante o julgamento de um processo disciplinar contra o juiz do Piauí João Borges de Sousa Filho, aposentado compulsoriamente pelo CNJ devido à relação indevida que mantinha com advogados. Relator do processo disciplinar, o conselheiro e desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) Tourinho Neto sugeriu a aplicação de advertência contra o juiz, que, entre outras coisas, pegou uma carona com o advogado de uma causa.

Barbosa, no entanto, discordou do conselheiro por considerar grave que juízes tenham relações estreitas com advogados. “Há muitos (juízes) para colocar para fora. Esse conluio entre juízes e advogados é o que há de mais pernicioso. Nós sabemos que há decisões graciosas, condescendentes, fora das regras”, disse o presidente do STF. O assunto é recorrente na pauta do CNJ. A ex-corregedora do órgão Eliana Calmon já havia denunciado em outras ocasiões a existência de uma relação promíscua entre advogados e magistrados, em prejuízo dos cidadãos (leia Memória).

Tourinho, que participava de sua última sessão no conselho, porém, aproveitou a situação e alfinetou o Judiciário ao dizer que “tem juiz que viaja para o exterior com festa na Itália paga por advogado e aí não acontece nada”. “Se for para colocar juiz analfabeto para fora, tem que botar muita gente, inclusive de tribunais superiores”, acrescentou Tourinho. Após o comentário do desembargador, Barbosa brincou: “Conselheiro Tourinho, sua verve despedida está impagável”.

O desembargador, entretanto, afirmou que essa relação não é regra. Segundo ele, é “preciso separar as coisas, amizade íntima com o intuito de beneficiar alguém e amizade. Amizade íntima e privilégio”. Já Barbosa desacreditou. “É difícil separar o joio do trigo”, arrematou. “Mas tem que separar, fui juiz do interior da Bahia, frequentava as casas, não tinha com quem conversar, ia beber uísque na casa de um, tinha um churrasco na casa de outro, mas não me influenciava”, defendeu Tourinho.

Aposentadoria A discussão continuou com Tourinho na defesa dos juízes e Barbosa no ataque. Para o presidente do Supremo, nem todos os juízes se comportam com integridade. “O que há é um mal-estar nessas práticas indesejáveis. Falta transparência. Não há nada demais em um juiz receber advogado, mas o que custa trazer a parte contrária para o advogado é a recusa que trata. Igualdade de armas. É a falta dessa notificação, de transparência, que faz o mal-estar. Isso está errado”, pontuou. Tourinho disse que a situação está tão crítica que instalaram câmeras em gabinetes de magistrados. “A que ponto estamos chegando? Vai chegar a um ponto em que juiz não poderá encontrar com advogados nem com membros do Ministério Público”, disse Tourinho. Barbosa aproveitou a deixa para fazer um comentário descontraído. “Vossa excelência está incontrolável, talvez seja a despedida”, brincou novamente.

No fim dos debates, os conselheiros do CNJ decidiram aposentar o juiz do Piauí João Borges de Sousa Filho. O único que votou contra foi Tourinho. De acordo com o processo, o juiz teria recebido benefícios de advogados para decidir em favor das causas defendidas por eles. O desembargador tem tomado decisões polêmicas. Recentemente, ele concedeu decisões favoráveis ao contraventor Carlinhos Cachoeira, como um habeas corpus ao bicheiro e uma decisão que anulava o inquérito da Operação Monte Carlo.

Memória “Bandidos de toga”

Considerada uma das 25 personalidades de destaque no Brasil pelo jornal britânico Financial Times, no início do ano, a ministra Eliana Calmon se notabilizou quando era corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde ficou por dois anos. Em setembro de 2011, a magistrada provocou muita polêmica quando disse que existiam “bandidos de toga” no Judiciário, se referindo a juízes que cometem deslizes profissionais. A declaração na ministra ocorreu pouco antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir sobre o poder de investigação do CNJ.

Pouco depois, ela afirmou, durante uma entrevista, que era defensora do fim da aposentadoria compulsória como forma de punição para juízes que cometem irregularidades. Além disso, Eliana Calmon colocou o CNJ para investigar o Tribunal de Justiça de São Paulo, o principal do país, quando o conselho divulgou informações sobre os salários dos magistrados daquela Corte. Quando deixou o cargo, em setembro do ano passado, ela ressaltou que tinha sido “duríssima”. (Edson Luiz)

Posição contrária a novos TRFs Em encontro ontem à tarde com os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Joaquim Barbosa se manifestou contra a criação de quatro Tribunais Regionais Federais (TRFs) no país — da 6ª à 9ª região. O ministro do STF ficou de elaborar um documento com os argumentos contrários aos novos TRFs e encaminhá-lo ao Congresso. Oito propostas de emendas à Constituição (PEC) tramitam na Câmara e no Senado. Renan e Henrique saíram do encontro sem dar entrevista. (DA)