Valor econômico, v. 21, n. 5130, 18/11/2020. Brasil, p. A4

 

Xi e Bolsonaro defendem visões opostas em cúpula

Daniel Rittner

Matheus Schuch

18/11/2020

 

 

China e Brasil divergem sobre OMS e multilateralismo em reunião do Brics

Brasil e China deixaram nítidas ontem suas diferenças de visão, na cúpula presidencial dos Brics, em temas centrais da arena internacional. De um lado, o chinês Xi Jinping defendeu a liderança da Organização Mundial da Saúde (OMS) no combate à pandemia, além de fazer um apelo pela preservação do multilateralismo e cobrar ações conjuntas contra o aquecimento global. De outro, o presidente Jair Bolsonaro criticou organismos internacionais e exaltou a soberania dos países, insistindo nas críticas de quem aponta o crescimento do desmatamento na floresta amazônica.

Bolsonaro insinuou que estava sendo monitorado quando sua conexão de áudio com os russos - anfitriões da cúpula - caiu repentinamente. Isso ocorreu no momento em que ele prometia divulgar, nos próximos dias, o nome de países onde foi parar madeira da Amazônia extraída de forma ilegal, graças a um novo sistema de rastreamento. “Com toda a certeza foi só uma coincidência. Quando eu falei da madeira da Amazônia, o sinal cai”, observou o presidente. O problema técnico foi resolvido em cerca de dois minutos.

Afirmando que o unilateralismo inflaciona disputas e confrontações entre países, o líder chinês enfatizou a necessidade de apoiar a ordem sustentada pela lei internacional e o multilateralismo - termo que o chanceler Ernesto Araújo já disse, em diversas ocasiões, evitar no Itamaraty.

Xi não mencionou especificamente a Coronavac, que está sendo produzida no Brasil em parceria com o Instituto Butantan e é objeto de ataques do bolsonarismo, mas citou testes clínicos na fase 3 de vacinas contra a covid e disse que é preciso “colocar a saúde das pessoas em primeiro lugar”.

Em sua intervenção durante a cúpula, que ocorreu em plataforma virtual, o presidente chinês alertou sobre a necessidade de “ficar firme na defesa da globalização” e na rejeição de medidas protecionistas. Em um momento de dúvidas sobre o excesso de dependência de fornecedores da China, a recuperação da economia mundial pressupõe manter as cadeias de abastecimento abertas e livre.

“Todos nós somos passageiros no mesmo barco. Quando o vento é forte e as marés são altas, precisamos de ainda mais foco na nossa direção. Precisamos manter o ritmo e trabalhar como uma equipe para quebrar as ondas e navegar constantemente até chegarmos a um futuro melhor”, disse.

Xi reiterou o compromisso da China em tornar-se uma economia neutra em carbono até 2060 e, usando um termo praticamente banido da diplomacia ambiental brasileira, afirmou que “o aquecimento global não vai parar por causa da covid-19”. “Precisamos implementar o Acordo de Paris com boa fé, respeitando o princípio de responsabilidades compartilhadas, porém diferenciadas.”

Trata-se do princípio de que países emergentes também devem assumir responsabilidades na luta contra as mudanças climáticas, mas em escala menor à de países ricos, que se desenvolveram com devastação ambiental. O Brasil não deve cumprir as metas voluntárias que assumiu, no Acordo de Paris, para o ciclo que se encerra em 2020. A tendência de descumprimento tem, como explicação, alta do desmatamento na Amazônia.

Bolsonaro foi em direção oposta: “Desde o início [da pandemia], critiquei a politização do vírus e o pretenso monopólio de conhecimento da OMS, que necessita urgentemente de reformas. A crise ressaltou a centralidade das nações para a solução dos problemas que acometem o mundo”.

Para Bolsonaro, há espaço para maior cooperação entre os mercados de países do bloco, que reúne também Rússia, Índia e África do Sul. A cooperação internacional, no entanto, depende de “respeito às soberanias nacionais”.

O presidente reivindicou ainda uma reforma da ONU para garantir assentos permanentes ao Brasil, à Índia e à África do Sul no Conselho de Segurança. No comunicado final, porém, a pressão da China suprimiu um trecho - frequente em declarações de cúpula anteriores - que destacava a necessidade de “uma reforma abrangente da ONU, incluindo seu Conselho de Segurança, com vistas a torná-lo mais representativo e eficiente”.

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Banco do Brics deve receber Emirados Árabes, Filipinas e Uruguai

Assis Moreira

18/11/2020

 

 

Expectativa é que adesão fosse anunciada na reunião de ontem, mas pandemia atrasou negociações

Emirados Árabes Unidos, Filipinas e Uruguai deverão ser os próximos sócios do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco do Brics, conforme o Valor apurou.

Na cúpula virtual dos líderes do Brics - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul-, ontem, o presidente da China, Xi Jinping, o mais influente na instituição, defendeu que o banco sediado em Xangai venha a ser “maior e mais forte”.

Em sua intervenção na cúpula, o presidente do banco, Marcos Troyjo, declarou-se confiante. “Seremos capazes de anunciar novos membros muito em breve”. O relato de Troyjo, que assumiu em julho, foi de que “potenciais membros demonstraram forte interesse em se juntar ao NBD”, o primeiro banco de desenvolvimento de países emergentes.

A expectativa era que cinco novos sócios fossem anunciados ontem. Ocorre que a pandemia de covid-19 atrapalhou a conclusão das negociações formais. Somente três países praticamente fecharam o acordo para adesão. Segundo fontes, a Índia, um dos sócios fundadores, quer apresentar Bangladesh para entrar no banco. E a África do Sul vê potencial para atrair uma entre três economias - Nigéria, Egito ou Botsuana.

O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, defendeu que a ampliação da instituição ocorra principalmente na África.

No seu comunicado final, os líderes do G-20 apoiaram o processo de expansão de membros do NBD. Consideram que isso fortalecerá o papel do banco como uma instituição financeira de desenvolvimento global e contribuirá ainda mais para a mobilização de recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos Estados-membros do banco.

Para os líderes, o processo de expansão da instituição deve ser gradual e equilibrado em termos de representação geográfica de seus membros, bem como apoiar os objetivos do NBD de atingir a mais alta classificação de crédito e desenvolvimento institucional possível.

A expansão do banco do Brics trará maior relevância global para a instituição. E vai aumentar e diversificar a carteira de projetos, inclusive projetos de integração regional. Novos membros vão aportar capital.

No geral, todos os bancos multilaterais estão falando no momento em aumentar seu capital para, por sua vez, elevar os créditos para economias devastadas pela pandemia.

Em sua intervenção na cúpula dos Brics, Troyjo destacou que, em apenas cinco anos de funcionamento, o banco de desenvolvimento já financiou 65 projetos totalizando US$ 21 bilhões. Até o fim do ano, com novas aprovações de projetos, o montante subirá para US$ 26 bilhões.

“Em cinco anos, alcançamos o que instituições semelhantes levaram décadas para atingir”, afirmou o Troyjo, ex-secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia no governo Jair Bolsonaro.

De acordo com Troyjo, o portfólio do banco está mais equilibrado entre os cinco sócios. E o setor privado representará uma fatia maior nas operações da instituição.

O programa de emergência em resposta à covid-19 também prossegue, com US$ 10 bilhões. A primeira fatia de US$ 5 bilhões foi para financiar projetos de saúde e na área social. Os outros US$ 5 bilhões visam ajudar a recuperação econômica, com crédito por exemplo, para pequenas e médias empresas.

A instituição afirma estar aprontando também uma plataforma digital para investimentos em infraestrutura. A expectativa é que ajude a reduzir a distância entre potenciais investidores e atrair oportunidades para os países do Brics.