Título: Cinco homens processados a cada dia
Autor: Rodrigues, Gizella; Almeida, Kelly
Fonte: Correio Braziliense, 21/03/2013, Cidades, p. 26

Estudo do Conselho Nacional de Justiça coloca o Distrito Federal na quarta colocação entre as unidades da Federação com a maior quantidade de ações penais abertas contra agressores de mulheres. Foram 9.585 entre 2006 e 2011

O convívio com a violência dentro de casa é realidade para milhares de mulheres no Distrito Federal e no Brasil. Muitas delas se acostumam com brigas, xingamentos e agressões, que, não raramente, terminam em episódios de crueldade, como o gravado pelas câmeras de um pet shop de Taguatinga na última segunda-feira. As imagens mostram Cássio Santana da Cruz, 33 anos, atirando cinco vezes contra a ex-companheira Ivoneide de Oliveira Santana, 24, na tentativa de matá-la. A boa notícia é que, desde a sanção da Lei Maria da Penha, essas vítimas ganharam um aliado na luta por seus direitos: o Judiciário.

De 2006 a 2011, 9.585 homens acabaram processados penalmente por agredir mulheres na capital federal — a média é de cinco ações por dia no período. Com isso, o DF aparece na quarta colocação no ranking de unidades da Federação com o maior número de ações penais abertas. Na frente do DF, estão Rio de Janeiro, Mato Grosso e Pará. Os dados fazem parte de estudo divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A pesquisa mostrou que, no país, 677 mil processos passaram pelas varas ou pelos juizados especiais exclusivos para o julgamento de casos da Lei Maria da Penha. Isso inclui, além de ações, pedidos de medidas protetivas e inquéritos policiais. Em cinco anos, 98.990 homens responderam a processos por violência doméstica no Brasil.

Mais juizados

Mas os números da capital podem ser ainda maiores, porque a pesquisa incluiu estatísticas disponíveis até dezembro de 2011, quando a região contava com seis varas ou juizados exclusivos para tratar de casos de violência doméstica. Em 2012, são mais quatro varas em funcionamento. O trabalho mostrou também que o DF oferece a melhor estrutura para o atendimento das vítimas, como o maior número de varas, de juízes e de servidores dedicados exclusivamente ao cumprimento da Lei Maria da Penha.

O CNJ não levantou quantos homens foram condenados nem quanto tempo demorou o trâmite das ações — apenas que 85% dos processos brasilienses são julgados. Mas pesquisa feita pela bacharel em direito da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), Sinara Gumieri, analisou 35 assassinatos de mulheres vítimas de violência doméstica entre 2006 e 2011 e identificou que houve condenação, com prisão, em 29. Trinta deles demoraram até três anos para chegar à sentença.

Estudo

O trabalho de Sinara Gumieri revelou ainda que 30 das vítimas eram pardas e 14 tinham entre 20 e 29 anos. Os casos foram retirados de um estudo encomendado pelo Ministério da Justiça. A pesquisa demonstrou que, de cada quatro mulheres assassinadas no DF no período, pelo menos uma foi morta pelo atual ou ex-companheiro. O estudo elaborado a pedido do MJ identificou 337 assassinatos. “Escolhemos analisar 35 processos com trânsito em julgado que conseguimos recuperar todas as cópias. A proposta era entender as variáveis de cada assassinato e fazer uma análise mais contextual, principalmente da aplicação da Lei Maria da Penha, além de acompanhar os resultados dos julgamentos”, explicou Sinara.

A pesquisadora informou que não é possível afirmar se todas as mulheres mortas procuraram ajuda ou ganharam o benefício de medidas protetivas. “Nos processos, esses dados são inseguros, pois nem sempre há esforço de buscar os registros de violência doméstica, mas há informações de que muitas delas haviam sido agredidas anteriormente”, relatou.

Depoimentos

“Meus maridos me batiam” “Tive dois maridos que me agrediam e me batiam constantemente. O primeiro foi o meu primeiro namorado, eu gostava muito dele. Mas ele bebia e batia em mim quando eu estava grávida da minha filha. Na época, em 2003, não tinha Lei Maria da Penha, e eu nunca tive coragem de denunciá-lo à polícia. No ano retrasado, eu conheci o meu segundo marido, que era 17 anos mais velho do que eu. Ficamos juntos por quatro meses, e ele mudou completamente o jeito que me tratava nesse período. Depois de algum tempo, passou a ser muito ciumento, não me deixava trabalhar nem falar com ninguém. Começou a me bater, e eu o mandei sair de casa. Ele começou a me perseguir e a me ameaçar. Até que me agrediu. Procurei a delegacia e recebi uma medida protetiva que impedia que ele se aproximasse a menos de 500m. Ele ainda me ligou várias vezes. Acho que, se eu não tivesse procurado a polícia e continuado com ele, estaria morta hoje” Carla (nome fictício), 29 anos, moradora do Paranoá

“Ele dormia com um punhal” “A minha irmã teve um relacionamento conturbado de dois anos e meio. Eu mesma fui chamada na casa deles muitas vezes para separar brigas. Em uma das vezes, ele estava dormindo com um punhal na cabeceira, e eu o convenci a me dar a arma. Ela nunca me falou de nenhuma agressão, mas a minha mãe contou que ele já tinha empurrado ela uma vez. Parece que ele ameaçava fazer alguma coisa se ela contasse para alguém. Em junho do ano passado, eles se separaram, mas ele não aceitava que ela se envolvesse com outro. Depois de quatro meses de separação, ele foi ao trabalho dela e a ameaçou de morte. Ela registrou ocorrência no dia 18, e a medida protetiva foi ordenada no dia 19, uma sexta-feira. O oficial de Justiça foi entregar na segunda-feira, mas ela estava morta. Ela deu para ele todas as chances de melhorar, era a única que acreditava em uma mudança” Mara Regina Alves de Oliveira, irmã de Mariene de Oliveira Alves, 43 anos, morta pelo ex-companheiro a facadas em 22 de outubro de 2012, em Sobradinho