Título: Disque 156 contra o racismo
Autor: Laboissière, Mariana; Puljiz, Mara
Fonte: Correio Braziliense, 21/03/2013, Cidades, p. 27

Serviço lançado pelo GDF abre canal de comunicação para quem sofre ataques de injúria e discriminação. Só no ano passado, o Ministério Público local recebeu 186 denúncias, 24% a mais do que o registrado em 2011

Em um ano, a quantidade de processos abertos pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) relacionados a injúria racial e a racismo aumentou 24%. Houve 150 casos em 2011, contra 186 no ano passado, mesma época em que as delegacias locais registraram pelo menos uma queixa por dia envolvendo esses crimes. Nesse cenário, o DF aparece entre as cinco unidades da Federação com mais denúncias de ataques raciais, mesmo sendo a capital do país uma região com maioria populacional negra, sendo 54% do total de habitantes (veja infográfico).

Ontem, véspera do Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, quem sofre as consequências da intolerância ganhou um canal de comunicação para se queixar de agressões dos mais diversos tipos. O Governo do Distrito Federal lançou o Disque Racismo, uma iniciativa pioneira cujas denúncias poderão ser feitas pelo 156, opção 7. A ferramenta permitirá que o Executivo local acompanhe os registros de práticas discriminatórias acontecidas no quadrilátero.

Ao todo, 10 atendentes por turno ficarão responsáveis pelas ligações. As chamadas serão registradas no sistema e, posteriormente, encaminhadas aos órgãos competentes. As informações repassadas serão mantidas em sigilo e, no ato do telefonema, a vítima será orientada a registrar uma ocorrência. O governador Agnelo Queiroz destacou a importância do enfrentamento desses crimes. “Todas as formas de preconceito devem ser notificadas. Assim, não estaremos protegendo uma pessoa apenas, mas todo um grupo que poderia ser atacado. Na capital do país, a tolerância é zero diante do racismo ou de qualquer tipo de discriminação”, afirmou.

Punição

Antes da inauguração do serviço telefônico, a Ouvidoria da Secretaria de Políticas e Promoção da Igualdade Racial no DF recebeu, neste ano, seis queixas relativas a racismo, injúria racial e intolerância religiosa (leia O que diz a lei). Todas seguem em investigação pelas autoridades policiais. Com a divulgação do Disque Racismo, contudo, a pasta prevê um crescimento no número de ligações. “Um serviço como esse vai nos levar a um outro patamar de cidadania”, avaliou a ministra da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, Luiza Bairros.

Se a iniciativa estivesse em funcionamento antes, atos como os praticados contra uma estudante de direito de 26 anos talvez não tivessem ficado impunes. A jovem alega ter sido alvo de piadas e críticas de natureza racial. “Eu estagiava em um órgão público, na área jurídica, e a minha superior me constrangia com diversos comentários relacionados à minha cor”, contou. “Como eu era a única negra ali, me sentia diminuída. E esse foi um dos motivos para eu ter abandonado o estágio.”

O que diz a lei

A injúria racial é cometida quando a ofensa de conteúdo discriminatório é empregada à pessoa determinada. Exemplo: chamar alguém de negro fedorento, judeu safado, alemão azedo etc. É crime previsto no artigo 140 do Código Penal Brasileiro. Já o de racismo está previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/89. É aplicado quando as ofensas menosprezam determinada raça, cor, etnia, religião ou origem. Exemplo: negar emprego a uma pessoa por causa da cor da pele ou por ela seguir uma doutrina. O crime de racismo é imprescritível e inafiançável. No caso da injúria racial, o réu pode responder em liberdade, desde que pague a fiança. A pena para os dois casos varia de um a três anos de reclusão, além de multa.

Memória

2012 29 de abril O médico Heverton Octacílio de Campos Menezes foi acusado de injúria racial após agredir verbalmente a bilheteira de um cinema de shopping da Asa Norte. Conforme testemunhas, ele queria passar na frente de outras pessoas na fila, alegando que estava atrasado para a sessão, mas , Marina Serafim dos Reis, 25 anos à época, não permitiu. Entre outros termos, ele disse que a jovem deveria estar na África cuidando de orangotangos. Menezes foi reconhecido pela polícia com uso de imagens das câmeras de segurança do shopping (foto). Ele respondeu a inquérito instaurado pela 5ªDP e acabou indiciado por injúria qualificada. Menezes disse que tudo não passou de um mal entendido e afirmou ter dito apenas que a bilheteira estava sendo descortês ao atendê-lo. O médico foi processado pela bilheteira. Em 18 anos, ele havia acumulado outras nove acusações na Polícia Civil do Distrito Federal. Entre as queixas, injúria discriminatória, desacato, agressão e lesão corporal.

22 de março Após receber quase 70 mil denúncias, a Polícia Federal prendeu dois homens que planejavam um ataque a estudantes de ciências sociais da Universidade de Brasília (UnB). Por meio de um site, o ex-estudante da UnB Marcelo Valle Silveira Mello e o especialista em informática Emerson Eduardo Rodrigues postaram mensagens combinando o suposto massacre. Marcelo Valle já havia sido condenado por racismo, em 2009. Ele mantinha uma página na internet na qual incitava a violência contra negros, homossexuais, mulheres, nordestinos e judeus, além de pregar o abuso sexual contra crianças e adolescentes.