Valor econômico, v. 21, n. 5130, 18/11/2020. Empresas, p. B1

 

Brumadinho segue sem acordo

Rafael Rosas

Francisco Góes

18/11/2020

 

 

Estado de Minas e Vale divergem sobre valores para reparação por rompimento de barragem em 2019

As conversas entre a Vale e as diversas instâncias governamentais que negociam com a empresa um acordo definitivo pelo rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), tiveram ontem uma nova etapa, em meio à discussão sobre os valores envolvidos na reparação. Os entes governamentais pedem em Ação Civil Pública (ACP) R$ 54 bilhões da mineradora, enquanto a Vale encomendou um estudo à consultoria Tendências, cujo parecer, assinado pelo ex-ministro Maílson da Nóbrega, aponta que o valor pedido pelos representantes do Estado “baseia-se em premissas que não têm amparo na teoria econômica”. O desastre de Brumadinho completa dois anos em 25 de janeiro de 2021.

Ontem, Vale e representes da Defensoria Pública de Minas Gerais; da Advocacia Geral do Estado; do Ministério Público Estadual; do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União e da Advocacia Geral da União se reuniram em audiência de mediação do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), órgão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

A mineradora informou em nota que “segue mantendo um diálogo construtivo com o governo de Minas e instituições de Justiça federais e estaduais, visando a um possível acordo em benefício de todo o Estado e especialmente das populações de Brumadinho e municípios impactados da calha do rio Paraopeba”. A Vale acrescentou que uma nova audiência está marcada para 9 de dezembro e disse que ontem ficou acordado que o pagamento emergencial será estendido até o fim do ano. Até então o pagamento ia até novembro.

A Vale provisionou US$ 6 bilhões para cobrir a reparação por Brumadinho, o equivalente a R$ 33,6 bilhões pelo câmbio atual. O pedido das instituições governamentais de R$ 54 bilhões alcança quase os US$ 10 bilhões.

O parecer da Tendências se atém ao cálculo de R$ 26,7 bilhões feitos pelo governo estadual a título de reparação por supostos danos econômicos causados ao governo mineiro. O pedido é fundamentado em nota técnica da Fundação João Pinheiro (FJP), também ligada ao Estado. Para a Tendências, “o estudo da FJP contém uma série de falhas metodológicas que produzem substancial superestimativa dos supostos impactos econômicos do evento”. Segundo a Tendências, as medidas compensatórias tomadas pela companhia superam as perdas em mais de R$ 4 bilhões em valores correntes. “Pela premissa implícita no pedido de indenização, qualquer acontecimento de uma empresa que resultasse em diminuição da sua produção poderia ser objeto de ação judicial, uma vez que, por menor que ela seja, sempre causa efeitos no restante da economia e na arrecadação”, diz o parecer.

Fontes próximas à negociação dizem que o objetivo da Vale é construir um acordo em que a empresa pague o valor “justo e necessário”, tendo por base três grandes blocos de governança com valores fixos: o primeiro seria o repasse de dinheiro para que os atingidos pelo rompimento da barragem tivessem gestão absoluta dos recursos; o segundo abarcaria ouvir os atingidos para que se aplicasse verbas em projetos prioritários; e o terceiro seria composto por recursos para que o Estado, sob tutela do Judiciário, aplicasse em projetos. Haveria ainda as indenizações individuais e as reparações ambientais, com governanças específicas e sem limite máximo de gastos.

Fonte disse que a preocupação dos envolvidos nas negociações é “não repetir Mariana”, onde a estratégia se mostrou lenta nas reparações, que ainda não foram completadas cinco anos depois do acidente. “A premissa essencial é ter governança e segurança jurídica. A governança precisa garantir entregas, medição e quitações. E segurança jurídica de que isso não seja somente mais um TAC [Termo de Ajustamento de Conta]”, disse a fonte. Ontem, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, se manifestou sobre o caso no Twitter: “Recusamos oficialmente a proposta apresentada pela Vale no processo em que cobramos reparação pelo rompimento da barragem em Brumadinho. O que aconteceu em Mariana não se repetirá!”, escreveu.