Título: O pequeno Chipre assusta o mundo
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 22/03/2013, Economia, p. 17

Crise financeira na ilha do Mediterrâneo reacende desconfianças sobre a economia da Zona do Euro e ameaça o sistema bancário ainda fragilizado da Espanha e da Itália

A moeda única da Europa está novamente ameaçada e pode levar o mundo a enfrentar mais uma rodada de problemas. Com a piora das condições financeiras no Chipre, ilha do Mediterrâneo ao sul da Turquia, a desconfiança tomou conta dos mercados e derrubou as principais bolsas do mundo. Frankfurt, uma das mais importantes da Europa, encolheu 0,87% no pregão de ontem. No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) amargou perda de 0,81% e fechou aos 55.576 pontos, o menor nível em quatro meses. O dólar também reagiu às notícias ruins do Velho Continente, terminou a quinta-feira em alta de 1,03% e fechou em R$ 2,011, ultrapassando pela primeira vez, desde janeiro, o patamar de R$ 2.

As autoridades europeias, ontem, passaram o dia em reuniões e teleconferências em busca de uma solução que possa afastar qualquer desconfiança sobre os demais países da Zona do Euro. Com uma população de 862 mil e um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 24,6 bilhões, o Chipre tem um sistema financeiro que guarda cerca de US$ 150 bilhões em depósitos, a maioria deles, cerca de 40%, investimentos russos. Para as autoridades do bloco econômico, a fragilidade dos bancos da ilha, que pede um socorro de 10 bilhões de euros, não representa um risco sistêmico do ponto de vista financeiro. A preocupação, porém, é que a falência do país, ou uma saída do euro, leve os investidores estrangeiros a fugir do continente e esgote complemente os canais de crédito, situação que traria problemas sobretudo para a Espanha e para a Itália, que há tempos suscitam preocupação entre os analistas.

"É muito mais uma questão de abrir precedente do que medo de contágio via deterioração do sistema bancário", explicou Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco WestLB. "Para deter a crise, eles cogitaram impor um confisco. O temor é que essa medida seja novamente ventilada, caso algum outro país passe por problemas financeiros", disse. Para Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, a situação chama a atenção para os bancos da Espanha e da Itália, ainda muito fragilizados.

Máfia Jeroen Dijsselbloem, chefe do Eurogrupo, que reúne ministros de Finanças da Zona do Euro, atacou as regras financeiras da ilha, classificou a fiscalização local de benevolente, e lembrou que a maior parte dos depósitos são de milionários russos suspeitos de pertencer à máfia. Segundo analistas, os bancos do país estão excessivamente endividados e expostos aos títulos podres gregos. Com toda a turbulência, as autoridades decretaram feriado bancário até a próxima terça-feira para evitar que uma corrida às instituições e o saque em massa de recursos, situação que as levaria à falência.

Em troca do socorro financeiro, os principais credores da ilha, o Banco Central Europeu (BCE), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Comissão Europeia, grupo chamado de Troika, exigem que o governo local arrecade 7 bilhões de euros, dos quais, 5,8 bilhões viriam da taxação sobre os depósitos bancários. O país, porém, resiste a elevar impostos para não perder o status de paraíso fiscal. A preocupação é tamanha que a ilha pode até virar as costas para a União Europeia e se aliar aos russos. O ministro das Finanças cipriota, Michael Sarris, passou a quinta-feira em Moscou tentando obter um empréstimo de 2,5 bilhões de euros. Ele pode permitir que a Rússia compre os dois maiores bancos locais e ainda oferecer reservas de gás natural na região como pagamento por esse dinheiro.

As autoridades europeias querem evitar a aproximação de Chipre com os russos. Além de considerarem humilhante ter um de seus países com o sistema financeiro controlado por uma nação que não faz parte do bloco, especialistas em finanças ponderam que o sistema bancário da Rússia é ruim e pouco seguro. O BCE, tentando evitar o colapso da economia cipriota, decidiu manter a provisão de recursos de emergência aos bancos até segunda-feira. Porém, Frankfurt exige que o parlamento do Chipre aprove um programa de reestruturação financeira. "A saída tem que ser bem costurada de modo a blindar outros países contra a desconfiança. Por isso ainda não se decidiu nada. Recursos para o socorro eles têm de sobra", disse Alex Agostini, economista-chefe da gestora de risco Austin Rating.