Correio braziliense, n. 20965, 17/10/2020. Brasil, p. 5

 

Corrida politizada por vacina contra covid

Bruna Lima 

Renata Rios 

17/10/2020

 

 

Enquanto o mundo anseia por uma vacina contra a covid-19, o cenário brasileiro de combate à pandemia continua demonstrando traços politizados, com a troca de farpas entre o Governo de São Paulo e o presidente Jair Bolsonaro. O motivo mais recente tem no centro da discussão a não inclusão da vacina chinesa Coronavac no cronograma de vacinação contra o novo coronavírus apresentado pelo Ministério da Saúde esta semana. A decisão provocou insatisfação entre os membros do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Apesar do recuo da pasta, o governador de São Paulo, João Doria, aproveitou a polêmica para enfatizar a defesa da candidata chinesa, negando, contudo, qualquer motivo eleitoreiro por trás da corrida por um imunizante. E declarou, ainda, a obrigatoriedade da vacina no estado.

O Ministério da Saúde descreveu como um mal-entendido a suposta exclusão da Coronavac, da farmacêutica Sindovac com parceria do Instituto Butantan. Diante da mudança no cronograma de vacinação, São Paulo prevê anúncios otimistas, sobretudo pela longa parceria firmada com o Instituto Butantan. "Será que agora deixou de ser o Instituto Butantan que foi ao longo de três décadas? Será que agora que tem a vacina, o governo federal vai negá-la aos brasileiros que precisam dela para ter suas vidas preservadas? Não. O que depender do Governo de São Paulo, não", provocou Doria, ontem, dizendo esperar uma visão "republicana, científica e técnica" dos representantes do Executivo Federal na tomada de decisões contra a pandemia.

Questionado sobre o uso da vacina como um mecanismo político, o político rebateu: "Por parte do governo de São Paulo, não há e não haverá nenhuma politização quanto ao tema da vacina. Como não houve, também, na questão da pandemia", afirmou Doria, dizendo esperar o mesmo do governo. "A cada dia sem vacina no Brasil, mais 700 pessoas perdem a vida (veja ao lado). Não é razoável imaginar que o governo vá politizar o tema da vacina ou colocar ideologia, visão partidária ou eleitoral em cima daquilo que salva vidas", disse.

Doria aproveitou a confusão, contudo, para atacar o presidente. "São Paulo não é negacionista, compreende a dimensão e o perigo do coronavírus desde o início", pontuou, ressaltando que "(São Paulo) foi o primeiro estado a tornar obrigatório o uso de máscara, com multa, sobre críticas do presidente. Foi o estado que determinou que não se utilizaria a cloroquina, como recomendação feita pelo presidente Jair Bolsonaro como forma de preservar vidas, porque não preserva".

Insegurança
David Urbaez, infectologista do Laboratório Exame, pontua que a ideologização da vacina é extremamente prejudicial, pois gera um cenário confuso e deixa as pessoas inseguras. "Começa a se ter ali, nessa briga de poder pela ideologia de um, pela ideologia de outro, um vácuo em uma situação tão delicada e tão tensa como é a esperança que se tem na vacina, que já é, por si só, uma esperança superestimada", avalia o médico. "Num primeiro momento, nós não vamos ter um impacto gigantesco de vermos, primeiro, todo mundo vacinado e, segundo, no dia seguinte, a queda ou o desaparecimento do vírus".

O especialista ressalta, também, a importância de evitar que disputas como essa prejudiquem a população. O infectologista relembra que a vacina de Oxford não teve os estudos retomados nos Estados Unidos, "pois o FDA não aceitou, ainda, todos os dados que a AstraZeneca forneceu e está esperando, então, novos dados para recomeçar o ensaio". Segundo ele, "é muito difícil que, se a vacina ainda não teve essa liberação para o andamento do seu ensaio, nós tenhamos resultados antes, aqui, no Brasil".