Correio braziliense, n. 20966, 18/10/2020. Economia, p. 6

 

Teoria de leilões é um prato cheio para o PPI

Marina Barbosa 

18/10/2020

 

 

Para reaquecer a economia, o governo federal aposta em parcerias com a iniciativa privada. Por isso, tem uma ampla agenda de concessões e privatizações na gaveta que promete atrair bilhões de investimentos para o país. Especialistas dizem, no entanto, que não basta colocar os ativos à venda. É preciso oferecer confiança aos investidores e estruturar bem os leilões. A prova disso veio com o prêmio Nobel de Economia deste ano, que consagrou o trabalho de aperfeiçoamento da teoria dos leilões dos economistas americanos Paul Milgrom e Robert Wilson.

Ao anunciar o Nobel de Economia, a Academia de Ciências da Suécia explicou que Milgrom e Wilson "melhoraram a teoria do leilão e inventaram novos formatos de leilão, beneficiando vendedores, compradores e contribuintes em todo o mundo". Economistas reconheceram a iniciativa, inclusive os representantes do governo brasileiro que cuidam do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), pasta que pretende leiloar 140 ativos para a iniciativa privada até o próximo ano, entre ferrovias, aeroportos, terminais pesqueiros, parques e florestas, projetos de iluminação pública e estatais como os Correios e a Eletrobras.

A secretaria especial do PPI, Martha Seillier, chegou a dizer que o trabalho de inovação no desenho de leilões de Milgrom e Wilson representa um "prato cheio para o PPI". Ao Correio, ela explica que o Nobel de Economia casa com "o momento intenso de estruturação de novas desestatizações pelo governo brasileiro". Na agenda de concessões estão projetos com modelagens maduras, que precisam ser apenas "marginalmente melhorados a cada edital de licitação", e ativos que nunca foram alvo de parcerias entre os setores público e privado. "O PPI já concluiu a realização de 184 projetos desde a sua criação, com expectativa de investimentos de R$ 709 bilhões. Neste momento, está estruturando outros 203 projetos que devem trazer ao país mais de R$ 600 bilhões de investimentos", diz a secretária.

Um dos futuros leilões brasileiros que pode se valer dos ensinamentos de Milgrom e Wilson é o do 5G. Um dos maiores trunfos dos economistas americanos foi o desenvolvimento de um tipo de leilão voltado para a concessão de frequências de rádio que servem como canal para a comunicação móvel nos Estados Unidos. Depois de décadas recebendo uma receita limitada por essas frequências, os Estados Unidos obtiveram US$ 617 milhões vendendo 10 licenças em 47 rodadas de licitação por meio do Leilão de Rodadas Múltiplas Simultâneas, desenvolvido pelos premiados em 1994. A invenção foi replicada em países como Espanha, Reino Unido, Suécia e Alemanha e gerou mais de US$ 200 bilhões com vendas de espectro ao redor do mundo. Segundo especialistas, agora pode ajudar o Brasil no leilão do 5G.

"A teoria dos leilões nos traz evidências que há aspectos peculiares que fazem que haja um desenho melhor do que outro para ser aplicado nas concorrências", diz Martha, para quem, no caso específico do 5G, o modelo americano "ainda deve passar por avaliação técnica".

Para o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), se validado no Brasil, o modelo americano pode não se limitar ao setor de telecomunicações. "O trabalho dos ganhadores do Nobel de Economia melhora a eficiência dos leilões com proposta clara de como alocar bens e serviços escassos. Parte importante da contribuição consiste no desenho de regras específicas nos leilões em situações complexas, como no caso de múltiplas unidades, que mitiguem comportamento oportunista dos participantes e induza maior competição no leilão. A aplicação prática se estende por vários setores, como telecomunicações, energia e ", comenta o banco.

O BNDES é parceiro do PPI e de diversos estados e municípios na realização de leilões. Só no próximo ano, por exemplo, o banco prevê o certame de 23 projetos, com investimento total estimado de R$ 59,1 bilhões. Neste ano, pretende fazer outros três, com potencial de atrair R$ 674 milhões.

Maldição do vencedor
Martha Seillier ressalta que o governo também está atento a outros pontos da teoria de Milgrom e Wilson, a exemplo do risco de maldição do vencedor. Segundo essa teoria, os compradores podem fazer lances menores que o valor que consideram justo para evitar um mau negócio, sobretudo quando têm menos informações sobre o objeto do leilão. Para mitigar o risco da maldição e o prejuízo possível à prestação adequada do serviço ou bem público que se concede, o governo já adota medidas como a exigência de capital social integralizado previamente à assinatura do contrato de concessão e de garantia de execução do contrato. Por conta disso, recentemente, o Executivo alterou o critério de leilão de rodovias, de menor tarifa para maior valor de outorga.

"A teoria dos leilões nos traz evidências que há aspectos peculiares que fazem com que haja um desenho melhor que outro para ser aplicado nas concorrências", diz a secretária. "As expectativas são enormes para o desenvolvimento do país por meio de parcerias com a iniciativa privada e não podemos errar. Por isso, olhar para o melhor que foi produzido na literatura econômica faz parte do nosso dever."

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Especialistas alertam para os erros 

18/10/2020

 

 

Especialistas torcem para que o governo esteja atento às evidências consagradas pelo Nobel de Economia. Eles explicam que, apesar de ter melhorado o relacionamento com a iniciativa pública por meio do PPI, o governo federal cometeu erros em leilões recentes. Como o orçamento público não é capaz de suprir a demanda por investimentos brasileira, os investimentos privados são a esperança para a redução dos gargalos de infraestrutura do país, mas também tem se mostrado arredios ao Brasil devido às incertezas que rondam o país.

"É consenso que, sem as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e as concessões, não teremos redução do deficit em infraestrutura, porque o governo não tem recursos e tem uma estrutura engessada que aumenta o custo. Só que não adianta fazer uma concessão de qualquer jeito. Tem de ser bem preparado e o Brasil ainda tem alguns entraves em relação a isso", afirma o presidente da consultoria Macroplan, Claudio Porto.
Como exemplo desses entraves, Porto cita a própria legislação brasileira, que precisa ser atualizada para dar mais flexibilidade à modelagem dos leilões e viabilizar a realização de parcerias, com mais segurança jurídica. Para isso, considera importante a conclusão de projetos que já estão no Congresso, como a nova lei de licenciamento ambiental e os marcos regulatórios do gás e das ferrovias.
"É importante avançar na agenda legislativa da infraestrutura", confirma o presidente da Inter.B Consultoria, Claudio Frischtak. Ele lembra, contudo, que o Executivo também precisa fazer a sua parte. Segundo Frischtak, o governo ainda causa muita insegurança aos investidores por conta de indicações políticas para o comando de agências reguladoras e posturas polêmicas.
Outra definição necessária, segundo os especialistas, é o rumo fiscal do país após a pandemia da covid-19. As dúvidas sobre a trajetória das contas públicas brasileiras têm espantado os investidores. "Existe um problema de diálogo do governo que acaba comprometendo o funcionando do mercado", destaca o professor de economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), Matheus Albergaria, para quem, pelo menos no campo dos leilões, o prêmio Nobel pode apontar o caminho dessas soluções.

Ensinamentos

"Milgrom e Wilson nos ajudaram a compreender o funcionamento de mercados complexos. Esses ensinamentos podem gerar mais eficiência e preços melhores para as licitações, fazendo com o que mercado funcione de maneira mais fluida e traga mais benefícios para a sociedade como um todo", afirma. Segundo ele, tanto o governo pode ser beneficiado com a arrecadação de pagamentos maiores, quanto a sociedade pode ganhar mais investimentos e serviços melhores.
"O desenho adequado é muito importante para que um leilão estimule os investimentos e a infraestrutura. Não existe um único desenho, mas é importante que o governo entenda as implicações da teoria dos leilões para que, pelo menos, consigamos evitar os tantos erros que foram cometidos no passado", pondera Frischtak. Segundo ele, o Brasil foi palco de leilões mal sucedidos nos últimos anos.
Em 2013, a participação da Infraero era obrigatória nos consórcios aeroportuários, o que reduziu a concorrência e causou danos ao erário público. No ano passado, o governo só conseguiu vender dois dos quatro blocos colocados à venda no megaleilão da cessão onerosa do pré-sal e, por isso, arrecadou cerca de 70% do que era esperado. O fracasso, segundo especialistas, também foi fruto de um erro no desenho do leilão e do atual regime de partilha do pré-sal. "Muitos podem ter pressa para colocar as coisas à venda agora na crise, para fazer caixa. Mas é preciso fazer o dever de casa antes. O risco de fazer mal feito é grande", alerta Porto. (MB)

No martelo

Confira a agenda de leilões do PPI e os principais ativos à venda

2020
Estão previstos leilões de 23 ativos
» Desestatização da Ceitec
» Concessão da Ferrovia de Integração Centro-Oeste, da Floresta de Humaitá (AM) e dos parques de Aparados da Serra e Serra Geral
» Leilões de áreas de exploração e produção de óleo e gás, transmissão de energia elétrica, terminais portuários e pesqueiro, direitos minerários, iluminação pública, distribuição água e tratamento de esgoto e resíduos sólidos

2021
A previsão do governo é leiloar 117 ativos
» Desestatização de 13 empresas, entre elas Eletrobras, Correios, Telebras,
Serpro e Dataprev
» Concessão de 14 aeroportos dos blocos Central, Sul e Norte, além de
Campinas e Natal
» Leilão do 5G
» Concessão dos parques de Jericoacoara, Lençóis Maranhenses, Iguaçu, Canela e São Francisco de Paula
» Leilões de ferrovias, rodovias, terminais portuários e pesqueiros, cessão onerosa e blocos de óleo e gás, direitos minerários, desenvolvimento regional, mobilidade urbana, iluminação pública, distribuição água e tratamento de esgoto, saneamento e resíduos sólidos

Fonte: PPI