Correio braziliense, n. 20998, 20/11/2020. Economia, p. 6

 

Desconfiança eleva custo da dívida pública

Rosana Hessel 

20/11/2020

 

 

O desajuste das contas públicas e o crescimento da dívida vem impondo ao governo um custo financeiro cada vez maior. O Tesouro Nacional não tem conseguido vender nem metade dos lotes das LFTs, títulos com rentabilidade vinculada à Taxa Selic, oferecidos nos leilões que realiza regularmente. Ontem a procura foi novamente pequena, com os credores cobrando deságio no papel. Enquanto isso, os títulos prefixados (LTN e NTN-F) têm demanda garantida — mas com juros cada vez mais altos. Os papéis com vencimentos mais longos, por exemplo, foram negociados com taxa de pouco mais de 8%, ou seja, quatro vezes a Selic, de 2% ano.

Esse quadro reflete, segundo analistas, a perda de rentabilidade dos títulos indexados à Selic em um cenário de inflação rodando acima de 3%, mas, também, está relacionado ao aumento das preocupações com a deterioração das contas fiscais e ao risco de continuidade da pandemia da covid-19 ao longo de 2021.

Diante da piora das expectativas, o Tesouro vem encurtando os prazos da dívida e pagando juros cada vez maiores nos papéis prefixados. Analistas lembram que a Comissão Mista de Orçamento (CMO) nem sequer foi instaurada no Congresso devido a disputas políticas. Além disso, a desconfianças a respeito do cumprimento do teto de gastos em 2021 é crescente, enquanto o governo não define o futuro do auxílio emergencial.

No leilão de LFTs de ontem, o Tesouro conseguiu vender 231,5 mil unidades do lote de até 500 mil com vencimento em 2022. O órgão ofertou mesmo montante para outro lote vencendo em 2027 e colocou123,5 mil unidades. Os 355 mil papéis vendidos representam 35,5% da oferta total de 1 milhão. Resultado semelhante ocorreu na semana passada.

Descalabro
Sem conseguir colocar as LFT, o Tesouro continua ofertando volume maior de papéis prefixados, mas pagando juros cada vez maiores. O órgão colocou à venda 12 milhões de LTNs, e arrecadou R$ 11 bilhões na operação principal. Foram 5 milhões com vencimento em 2021, 3 milhões, para 2022, e 4 milhões, para 2024. Vendeu tudo, inclusive, os lotes complementares, de 1 milhão, 600 mil e 800 mil, respectivamente. No entanto, as taxas negociadas para os papéis com vencimento em 2024, de 6,41%, ficaram acima dos 6,3% contratados na semana passada.

Os títulos prefixados com juros semestrais (NTN-F), com prazos mais longos, também tiveram boa aceitação. O Tesouro vendeu os dois lotes de 1,5 milhão com vencimento em 2027 e em 2031, transacionando R$ 3,4 bilhões na operação principal. Mas, o custo para o Tesouro subiu.

Os papéis com vencimento em 2027, pagaram 7,41% ao ano, acima dos juros de 7,19%, cobrados na semana passada. Os títulos para 2031, por sua vez, ficaram 8,08% bem mais salgados que os 7,76% do leilão anterior.

O aumento dos juros preocupa os analistas. "Essas taxas indicam que o mercado está cada vez mais receoso com um possível descalabro fiscal. O leilão não chegou a ser um fracasso, mas a dívida está ficando bem cara e com prazo mais curto. Vai ser um grande desafio para o governo administrar", destacou Josué Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

"Os leilões têm tido um comportamento pouco regular, mas mostram que o mercado está cada vez mais desconfiado com a deterioração fiscal, que vinha sendo ignorada durante a pandemia", avaliou Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust.

Parte da alta dos juros, segundo Velho, está relacionada com o relatório da agência de classificação de risco Fitch Rating, divulgado nesta semana, que reforçou a preocupação com a questão fiscal e reafirmou a perspectiva negativa para o país.

Os títulos públicos com juros em alta atraíram investidores estrangeiros para a renda fixa, e isso ajudou na queda de ontem do dólar. A divisa vem oscilando, nesta semana, após a sinalização do Banco Central de que vai atuar no mercado para diminuir as pressões no câmbio.

Analistas lembram que encurtamento da dívida pelo Tesouro acende um sinal de alerta para 2021, pois, até setembro, o órgão tinha na carteira de R$ 1,2 trilhão de títulos vencendo em 12 meses. "O governo continua sofrendo pressões e, como não há perspectivas otimistas no mercado para o Orçamento, o Tesouro vai continuar pagando caro por isso", destacou Velho.

Nova escalada

Taxa paga pelo Tesouro nos últimos leilões de prefixados (% ao ano)

Título 12/11 19/11

LTN 2021 3,04 2,12
LTN 2022 4,82 4,83
LTN 2024 6,30 6,39
NTN-F 2027 7,19 7,41
NTN-F 2031 7,76 8,08

Fonte: Tesouro Nacional