Valor econômico, v. 21, n. 5132, 20/11/2020. Brasil, p. A4

 

Paraísos fiscais “tiram” US$ 15 bi do Brasil por ano

Assis Moreira

20/11/2020

 

 

Perdas mundiais são estimadas em US$ 427 bilhões por ano

O Brasil perde US$ 14,9 bilhões por ano (R$ 79,5 bilhões) de impostos para paraísos fiscais, soma equivalente a 20% do orçamento da saúde e suficiente para pagar salários anuais de mais de 2 milhões de enfermeiros.

A estimativa é da organização não governamental Tax Justice Network em relatório que está sendo publicado hoje. O relatório mostra pela primeira vez detalhes da dimensão da sonegação internacional. Globalmente, as perdas de governos são calculadas em US$ 427 bilhões por ano.

Mark Bou Mansour, diretor da ONG, diz que, no caso do Brasil, US$ 14,63 bilhões são desviados anualmente por causa da ação de multinacionais de transferir lucros que obtêm no país para um paraíso fiscal, a fim de subestimar os ganhos no mercado brasileiro e, consequentemente, pagar menos imposto do que deveriam.

Outros US$ 280 milhões são perdidos com a evasão fiscal privada, em que os indivíduos movem suas riquezas para fora do Brasil, a fim de esconder o verdadeiro valor de suas fortunas e pagar menos ou nada de imposto. Os fluxos ilícitos tomam o rumo principalmente das Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas.

Essas práticas representam perda de US$ 72 para cada brasileiro. O prejuízo tributário do Brasil é equivalente a 3,19% da receita fiscal, maior do que a média mundial de 2,61%, mas menor que a média regional de 4,20%.

“A pandemia expôs o grave custo de transformar a política tributária em uma ferramenta para favorecer os abusadores fiscais, em vez de proteger o bem-estar das pessoas”, afirmou Mansour. “Agora, mais do que nunca, os governos devem reprogramar o sistema tributário global para priorizar a saúde e os meios de subsistência das pessoas e para recuperar o financiamento público urgentemente necessário para cobrir os custos imediatos e de longo prazo da pandemia.”

Para a Tax Justice Network, os governos precisam introduzir um imposto sobre o lucro excedente de grandes empresas multinacionais, principalmente as tecnológicas, cujos lucros aumentaram durante a pandemia, enquanto empresas locais foram forçadas a fecharem no confinamento.

A ONG diz que analisou dados que foram reportados por corporações multinacionais para as autoridades tributarias e recentemente publicados pela OCDE.

Dos US$ 427 bilhões de perda tributária globalmente para paraísos fiscais, cerca de US$ 245 bilhões são causados por “abuso” de multinacionais, e US$ 182 bilhões, de evasão fiscal privada.

As múltis pagaram bilhões a menos em tributos do que deveriam ao transferir US$ 1,38 trilhão de lucros para fora dos países onde o ganho foi gerado. Sonegadores privados pagam menos ou nada escondendo mais de US$ 10 trilhões offshore.

Os países pobres são mais duramente atingidos. A perda tributária chega a representar 52% do orçamento da saúde em países de menor renda - e apenas 8% nos países ricos. A mesma desigualdade é visível comparando regiões norte e sul. A América Latina perde US$ 43 bilhões, e a Europa, cerca de US$ 184 bilhões. Mas isso só representa 12,6% do orçamento de saúde europeu e 20,4% no caso latino-americano.