Valor econômico, v. 21, n. 5132, 20/11/2020. Brasil, p. A8

 

Guedes busca ‘alternativas’ para auxílio ao Amapá

Renan Truffi

Vandson Lima

20/11/2020

 

 

Ideia é usar BPC, abono ou seguro-desemprego estentido

O ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu caminhos alternativos à extensão do auxílio emergencial como forma de socorrer os moradores do Amapá atingidos por um apagão nas últimas semanas. As opções envolvem o pagamento do Benefício de Prestação Continuada, pensão ou benefício previdenciário,  a antecipação do abono salarial e, por fim, o prolongamento do seguro-desemprego por até dois meses. No total, elas teriam um custo de aproximadamente R$ 125 milhões. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), contudo, ainda tem batido na tecla da importância do que está sendo chamado de “auxílio social”, que seria voltado especialmente para a região.

A proposta foi apresentada pela equipe econômica na quarta-feira, em reunião no Palácio do Planalto, e foi tema de novo encontro ontem com Alcolumbre. A discussão surgiu a partir do pedido do senador para que o governo estendesse o auxílio emergencial no Estado. Por conta disso, auxiliares de Guedes preparam um caminho alternativo. O Valor teve acesso ao conteúdo da proposição.

Os pagamentos e antecipações envolveriam tanto a Secretaria de Previdência quanto a de Trabalho. No caso da primeira, seriam duas ações no âmbito do INSS: o pagamento dos Benefícios de Prestação Continuada (BPC) para o primeiro dia útil do cronograma, a partir de dezembro de 2020 e enquanto perdurar a situação. “A medida deve beneficiar mais de 65 mil pessoas e a estimativa de recursos envolvidas na ação somam R$ 78,5 milhões/mês”, diz o documento.

O segundo caminho seria a antecipação “do valor de uma renda mensal correspondente à pensão ou beneficiário” para as pessoas que já têm esse direito adquirido. Ficariam de fora, no entanto, aqueles que já recebem algum tipo de benefício temporário. O documento diz que, neste caso, os beneficiados teriam o valor descontado em até 36 parcelas. Essa alternativa já foi utilizada, por exemplo, na época da tragédia em Brumadinho (MG), no início de 2019, quando houve rompimento de barragem da Vale.

Já a Secretaria de Trabalho faria a antecipação para dezembro do pagamento dos trabalhadores do Amapá com direito ao abono salarial. Segundo informações, essa medida pode beneficiar mais de 38 mil trabalhadores a um custo de R$ 28 milhões.

Por último, a proposta de Guedes também envolve prolongar “por um ou dois meses” o seguro-desemprego aos trabalhadores dispensados sem justa causa no Amapá, entre junho e dezembro de 2020. A estimativa é que a medida pode beneficiar mais de 7.080 trabalhadores, mas exigiria um gasto de R$ 9,1 milhões (uma parcela) ou R$ 18,2 milhões (duas parcelas).

Todos os caminhos dependeriam da adoção de duas medidas: publicação de um decreto de calamidade pública pelo governo do Amapá e de uma portaria de reconhecimento do estado de calamidade pública pela Defesa Civil e pelo Ministério de Desenvolvimento Regional.

Mesmo assim, Alcolumbre e a equipe econômica discutiram ontem a possibilidade de a União bancar algum tipo de auxílio social que pudesse ser implementado especificamente nesta crise. Segundo uma fonte, o Ministério da Economia não teria rechaçado o pedido de imediato. Pelo contrário, ficou de avaliar mais detalhadamente.

A demanda do presidente do Senado não agrada parte dos integrantes do governo porque poderia abrir um precedente para que outros Estados requisitassem o mesmo tratamento em situação de calamidade.

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Justiça afasta diretores da Aneel e ONS por apagão

Rafael Bitencourt

Luísa Martins

20/11/2020

 

 

Medida em caráter provisório, por 30 dias, visa a evitar interferência na apuração de responsabilidades

A crise de abastecimento de energia que atinge o Amapá desde o blecaute do dia 3 de novembro ganhou nova proporção ontem com a decisão da Justiça Federal de determinar o imediato afastamento das diretorias da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Operador Nacional do Sistema (ONS). O desligamento foi previsto é de caráter provisório, pelo prazo de 30 dias, para que os atuais diretores “não interfiram na apuração das responsabilidades”.

Na sentença, o juiz João Bosco Costa Soares da Silva, da 2ª Vara Federal Cível do Amapá, defende que houve “atuação negligente” da Aneel, do ONS e das Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE), responsável pela principal infraestrutura de rede.

Para o juiz, os transtornos que ainda vivem os amapaenses com a intermitência constante no fornecimento de energia foram provocados pela falta de gestão competente do sistema elétrico brasileiro. A situação já levou ao adiamento das eleições deste ano em Macapá. A decisão partiu de ação popular movida pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

O texto da sentença ressalta que a vida da população local tem sido afetada “drasticamente” pelos sucessivos blecautes, racionamentos e rodízios de energia. O magistrado considera o apagão do Amapá como o “maior e mais prolongado na história do país”. Para ele, “classes mais carentes” sofrem mais com o impacto da falta de energia sobre os serviços essenciais.

“O lamentável blecaute ocorrido no Estado-membro do Amapá é reflexo de um autêntico ‘apagão de gestão’ provocado por uma sucessão de ‘governos federais’ que negligenciaram quanto ao planejamento adequado de políticas públicas de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica”, relatou o juiz em sua decisão.

Na semana passada, o Valor mostrou que os principais órgãos do setor elétrico, responsáveis por planejar, operar e fiscalizar o sistema de abastecimento do país sabiam, ainda que parcialmente, dos riscos envolvidos na operação da principal linha que abastece o Amapá. Documentos produzidos pelas próprias autoridades do setor, conforme demonstrou a reportagem, indicam que a subestação afetada no dia do apagão, a SE Macapá, deveria ter recebido há pelo menos dois anos investimentos adicionais para ampliar sua capacidade, além ainda de não contar há 11 meses com um transformador sobressalente (backup) exigido no contrato.

Desde o blecaute, a Aneel tem sido pressionada a dar respostas tanto para garantir o retorno do pleno abastecimento do Amapá como para apontar os responsáveis pelas falhas no sistema elétrico da região. A cobrança mais contundente tem partido de parlamentares do Estado, incluindo o presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP), do Tribunal de Contas da União (TCU) e até da Polícia Federal (PF).

A superintendência da PF no Amapá, determinou, em ofício enviado na segunda-feira, que a Aneel informe se realizou perícia ou levantamento na subestação de Macapá para tentar identificar as causas do incêndio no dia do blecaute. Segundo apurou o Valor, a resposta está em processo de elaboração pela Procuradoria Federal Especializada - órgão da Advocacia-Geral da União (AGU) junto à Aneel - e será utilizada para instruir o inquérito instaurado no dia 13.

A abertura da investigação se deu a pedido do ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, que, por sua vez, atendeu a ofício de Alcolumbre. Representante da região, o parlamentar argumenta ser necessário esclarecer se a pane ocorreu em razão do temporal ou se o incêndio foi criminoso.

Sobre a decisão da Justiça, a Aneel e o ONS informaram ontem que ainda não tinham sido formalmente comunicados. A agência reguladora, porém, indicou que, “assim que for notificada, vai interpor o recurso cabível para reverter a decisão”. O operador sinalizou o mesmo, que tomará “as medidas cabíveis”.

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Alcolumbre se reúne com Bolsonaro e relata caos no AP

Renan Truffi

Vandson Lima

20/11/2020

 

 

Na reunião, realizada no Palácio do Planalto, Alcolumbre cobrou medidas do governo para resolver a situação

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o presidente Jair Bolsonaro voltaram a se encontrar ontem para discutirem a situação do Amapá, Estado que enfrenta problemas no fornecimento de energia há 17 dias. Na reunião, realizada no Palácio do Planalto, Alcolumbre cobrou medidas do governo para resolver a situação.

Além disso, procurou detalhar o caos no Estado. Relatou ao presidente que comerciantes estão sem renda e famílias passando fome. Ao fim da conversa, o presidente do Senado convidou Bolsonaro para ir ao Amapá no fim de semana.

Segundo interlocutores, a conversa entre os dois foi “bastante longa” e “detalhada”. Alcolumbre aproveitou a reunião presencial para descrever as situações que viu no Estado e na capital, Macapá. Uma das coisas que o presidente do Senado contou para Bolsonaro é que todos os trabalhadores estão impedidos de gerar renda por causa da falta de energia.

Ele citou, por exemplo, o caso de costureiras e comerciantes, além de outros tipos de profissionais, que não conseguem exercer suas atividades. Como a energia elétrica está intermitente - com oscilação de três em três horas -, Alcolumbre repetiu para o presidente o que já havia alertado nas redes sociais: os amapaenses perderam todo o estoque de alimentos por causa da falta de geladeiras. “As pessoas estão passando fome”, enfatizou o presidente do Senado.

Em resposta, Bolsonaro reiterou que o governo está fazendo “tudo que precisa ser feito” para cessar o apagão e vai continuar nesse caminho. A expectativa do Ministério de Minas e Energia é que o Amapá saia do racionamento até este fim de semana. Ainda não foi confirmado se Bolsonaro irá visitar o Estado ou não. Ele não pisou no Amapá desde o início da crise.

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, por outro lado, esteve ontem em Macapá. Isso porque ontem a Justiça Federal que determinou o afastamento provisório, pelo prazo de 30 dias, da atual diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do diretores do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

A avaliação dentro do governo é que a Justiça acabou por atrasar ainda mais os esforços pelo reestabelecimento da energia elétrica na região. Como a diretoria da Aneel e a do ONS estão impedidas de atuar, a situação ficou mais complexa.