Valor econômico, v. 21, n. 5132, 20/11/2020. Curtas, p. A15

 

Trump quer que Estados ignorem resultado eleitoral

Andy Sullivan

Michael Martina

20/11/2020

 

 

Nova estratégia do presidente prevê que Estados republicanos não aceitem a vitória do democrata Biden e indiquem delegados favoráveis a Trump para votação final no Colégio eleitoral

Com a ineficácia da contestação judicial à sua derrota na eleição presidencial dos EUA, a campanha do presidente Donald Trump tenta convencer Estados controlados pelos republicanos a intervir e não reconhecer a vitória do democrata Joe Biden.

A nova estratégia foi confirmada por três pessoas bem-informadas sobre ela. A estratégia de pedir recontagem não funcionou, e a Geórgia deveria confirmar na noite de ontem a vitória de Biden no Estado após uma recontagem cuidadosa. Já no lado judicial, campanha de Trump disse estar retirando uma ação movida em Michigan.

No Colégio Eleitoral que reúne os Estados e determina o vencedor da eleição, Biden ficou com 306 votos, em relação aos 232 de Trump, bem acima dos 270 necessários para a vitória. O vencedor em cada Estado recebe os votos daquele Estado no Colégio Eleitoral.

A campanha de Trump moveu processos alegando fraude eleitoral em uma série de Estados desde a eleição do dia 3, com pouco sucesso até agora. Diante do fracasso desses esforços, os advogados de Trump tentam tirar dos eleitores o poder de nomear delegados no Colégio Eleitoral e entregá-lo a parlamentares estaduais de seu partido. Pessoa familiarizada com a estratégia jurídica da campanha disse que esse se tornou o foco.

A campanha de Trump até agora protocolou ao menos nove ações que contestam a eleição e seus resultados, obtendo apenas duas vitórias de menor importância - a prorrogação do horário de votação em alguns postos eleitorais de Clark County, no Estado de Nevada, no dia 3, e a anulação de algumas cédulas enviadas pelo correio na Pensilvânia, onde Biden saiu vitorioso por mais de 82 mil votos, segundo a Edison Research.

Biden disse ontem que a contestação por Trump dos resultados eleitorais é um comportamento “totalmente irresponsável” que envia “uma mensagem terrível sobre quem somos como país”. Vários destacados escritórios de advocacia se afastaram das ações jurídicas da campanha, deixando ao advogado pessoal de Trump, Rudy Giuliani, a tarefa de comandar a continuidade dos esforços.

Em entrevista ontem, Giuliani disse que entrará com mais ações e que os democratas promoveram uma “conspiração nacional” para manipular os votos, embora tenha reconhecido não ter nenhuma prova disso. Ele não respondeu a uma pergunta sobre a tentativa de pressionar os deputados estaduai, que são quem escolhem os delegados para o Colégio Eleitoral.

Outros membros da equipe jurídica aventaram uma teoria que envolve a Venezuela e George Soros, embora tenham dito que provavelmente não a defenderão em tribunal. Giuliani disse que acusações de atividade suspeita acabarão, em última instância, por derrubar a eleição, vencida por Biden por 5,9 milhões de votos. Algumas dessas acusações já foram rejeitadas pelos tribunais.

“Não podemos permitir que esses ladrões - porque é isso o que eles são - roubem esta eleição. Eles elegeram Donald Trump. Não elegeram Joe Biden”, disse Giuliani. O desempenho agitado de Giuliani, que ostentava filetes de tintura para cabelos escorrendo pelo rosto, foi amplamente ridicularizado pelos democratas. “Essa coletiva foi a mais perigosa da história americana”, tuitou Christopher Krebs, que comandava os esforços do governo dos EUA de combater a desinformação eleitoral até ter sido demitido por Trump nesta semana.

Críticos disseram que a recusa de Trump de reconhecer a derrota tem graves implicações para a segurança nacional e a luta contra o coronavírus, que matou mais de 250 mil americanos. Entre outras medidas, o governo adiou liberações de financiamento e de segurança no período de transição antes da posse, em 20 de janeiro.

Parte do novo esforço da campanha de Trump envolve a tentativa de adiar a homologação, o processo normalmente de rotina pelo qual os resultados eleitorais são finalizados, por meio de pedidos de recontagens ou por medidas protelatórias em nível local, disse uma alta autoridade da campanha.

Isso aconteceu na terça-feira em Detroit, onde membros republicanos do Conselho de Escrutinadores do Condado de Wayne se recusaram, inicialmente, a homologar os resultados, para depois mudar de posição. Ainda assim, em seguida pediram para cancelar a homologação. Um deles disse à Reuters que Trump ligou após ela ter aceitado homologar os resultados.

A campanha de Trump cancelou uma ação federal ontem que contestava os resultados eleitorais de Michigan, atribuindo o gesto às declarações das autoridades do Condado de Wayne. As autoridades disseram, no entanto, que é tarde demais. A secretária de Estado Jocelyn Benson disse que o Estado de Michigan realizará uma auditoria voluntária após os resultados terem sido homologados, procedimento que ela qualificou como rotineiro.

A campanha de Trump já pediu a um juiz da Pensilvânia, onde Biden venceu por 85 mil votos de diferença, que declarasse Trump como vencedor e disse que seu Legislativo, controlado pelos republicanos, deveria escolher os 20 delegados no Colégio Eleitoral.

Esse mais recente esforço reflete a realidade de que Trump tem um número cada vez menor de alternativas para derrubar os resultados. Autoridades eleitorais estaduais e federais concordam com especialistas externos de que não há provas para as denúncias de Trump de fraude eleitoral generalizada.

O advogado David Boies, que assessorou as medidas tomadas pelo ex-vice-presidente democrata Al Gore após a eleição de 2000, disse que os esforços de Trump de “mobilizar” sua base política não mudarão o resultado final. “Do ponto de vista jurídico, esta eleição acabou”, disse Boies à CNBC. “Não há nada a ser feito para revertê-la.”