Valor econômico, v. 21, n. 5133, 23/11/2020. Política, p. A10

 

Sem coligações, 13 Câmaras terão partido único

Raphael Di Cunto

23/11/2020

 

 

Nova regra fez candidatos antes espalhados por várias siglas se unirem em uma única legenda

Bom Sucesso, pequena cidade de 5 mil moradores no interior da Paraíba, reelegeu seu prefeito com 85% dos votos na semana passada. Se o resultado das urnas já garantiria um segundo mandato tranquilo para Pedrinho Caetano (DEM), a composição da Câmara Municipal deixará o prefeito numa situação ainda mais confortável: todos os vereadores serão do seu partido.

O caso é inusitado, mas se tornou mais comum por causa do fim das coligações. Se em 2012 nenhuma cidade elegeu todos os vereadores de uma mesma sigla e em 2016 apenas um município viveu esse unipartidarismo, nesta eleição foram 13 cidades em que a Câmara Municipal será composta por só um partido, mostra levantamento do cientista político Fernando Meireles, pós-doutorando na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em comum, essas cidades tiveram o tamanho - até 10 mil habitantes-, um grupo político forte na prefeitura e a falta de uma oposição mais organizada - os desafiantes lançaram bem menos candidatos que o grupo governista.

Mas o fim das coligações, que passou a valer nesta eleição de 2018, foi essencial para o resultado. Antes, cada vereador podia controlar um partido, o que lhe dava mais capital político para negociar o apoio ao prefeito e ter mais liberdade para atuar. Na hora da eleição, ele compunha a chapa com os outros aliados do prefeito e os mais votados entravam, cada um por seu partido.

A proibição de alianças na eleição proporcional exigiu um número maior de candidaturas para eleger um vereador e levou a reformulação dessa estratégia. Ficaria mais caro e difícil sustentar tantos concorrentes e por isso, principalmente nas cidades menores e onde o prefeito estava forte, a saída foi os candidatos se agruparem em duas ou três siglas - a do governo e a da oposição.

Foi o que ocorreu em Bom Sucesso. A cidade elegeu nove vereadores de sete diferentes legendas, três de oposição, em 2016. Passados quatro anos, cinco vereadores foram para o DEM junto com o prefeito, inclusive os que eram contra o governo local, para disputar numa só chapa. O grupo dele fez todos os nove vereadores e também os suplentes.

Secretário do PL local, Fidelis Torres conta que um grupo de jovens liderados por um afilhado do prefeito resolveu concorrer para evitar a vitória por WO, mas o gestor municipal era bem avaliado e aglutinou todos os candidatos mais fortes. “Com a nova regra fica muito difícil ter mais do que dois partidos em cidades pequenas. Quando você faz a conta do quociente partidário, não fecha. Precisa concentrar num partido só.”

Outro levantamento feito por Meireles mostra que Bom Sucesso é fruto de uma mudança mais ampla. O fim das coligações teve pouco impacto nas grandes e médias cidades, mas levou a redução no número de partidos nos municípios de até 20 mil habitantes. O índice que mede a quantidade deles nas Câmaras e sua força caiu de 5,1 em 2016 para 3,5 agora. “Houve concentração em poucos partidos e, ao calcular o quociente, outros abriram mão da disputa”, afirmou.

A menor representação deve ter impacto na eleição de 2022 porque esses líderes locais servem como puxadores de votos para os deputados, com muito mais influência do que questões ideológicas. Os partidos do Centrão, fortalecidos por recursos do governo federal para suas bases eleitorais, foram os que mais cresceram esta eleição.

Em Bom Sucesso, o normal teria sido o PTB do prefeito se fortalecer, mas ele próprio mudou de partido. “Não deu certo para mim com o deputado Wilson Santiago [PTB]. A gente tá com o [deputado] Efraim para 2022, ele trouxe muitos recursos pra cidade, e precisa estar no partido do nosso candidato para não sofrer perseguição”, afirmou Caetano.

Efraim Filho é o líder do DEM na Câmara dos Deputados e presidente do partido na Paraíba, onde a sigla também dominará outras duas cidades. Em São José do Sabugi, a continuidade foi tão grande que oito dos nove vereadores se reelegeram. Seis deles após trocarem PSB e PSDB pelo DEM do prefeito Segundo Domiciano, que não teve adversários. PT e PSDB lançaram candidatos só para vereador, mas perderam.

O crescimento na quantidade de Câmaras unipartidárias, porém, beneficiou mais o MDB, que também tem o maior número de prefeitos. A sigla elegeu todos os vereadores em seis municípios. O maior deles, Cacimbinhas (AL), com 10 mil habitantes.

Por outro lado, uma fatalidade fará com que os quatro mil moradores de São Miguel do Aleixo (SE) tenham o único caso em que o prefeito eleito é de um partido e a Câmara toda de outro. Everton Lima (PSC) concorria forte para a reeleição, mas morreu num acidente de carro dois dias antes do primeiro turno. Seu vice na prefeitura e na chapa, Gilton Meneses (PSD), assumiu a candidatura e foi eleito com 87% dos votos. Mas a Câmara será composta só por vereadores do PSC, partido do novo vice-prefeito.

A maioria das cidades onde os vereadores serão todos de um mesmo partido tem prefeitos eleitos com larga margem de votos, de mais de 75%, ou onde sequer houve desafiante - foram quatro casos assim. Em Vista Serrana (PB), porém, a eleição nem foi tão folgada (62% a 38%), mas um erro de interpretação do candidato a prefeito fez com que ele achasse que os votos dele elegeriam suas duas candidatas à Câmara. “Estou questionando o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] desde segunda-feira. Cometeram um erro. Tive 866 votos e a cada 263 elegia um vereador”, disse Valdery Gomes (Patriota). O cálculo, contudo, considera apenas os votos dos candidatos ao Legislativo, que somados tiveram 193 votos. O MDB ficou com as nove vagas.

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O efeito do fim das coligações proporcionais

Humberto Dantas

23/11/2020

 

 

Ao menos por enquanto, não houve impacto na redução de legendas

O fim das coligações em eleições proporcionais dialogava com dois fenômenos delimitados pelo Congresso Nacional quando da tomada da decisão em 2017. Os partidos exageravam no uso das alianças em pleitos dessa natureza e distorciam o desejo do eleitor. Na propaganda eleitoral gratuita sequer juntas as agremiações apareciam. O risco de o eleitor se perder era grande.

A percepção de exagero estava correta: entre 2004 e 2008 superava 80% o total de vereadores eleitos por coligações nas cidades brasileiras. Entre 2012 e 2016 esse índice atingiu 92% e nenhum partido grande ficava abaixo de 85%. Indiscutivelmente esse expediente fazia parte das estratégias eleitorais de forma generalizada. Algumas, por sinal, pouco conhecidas. Por exemplo: um partido podia lançar sozinho até 1,5 vezes o total de vagas em disputa numa eleição proporcional. Em uma Câmara com 10 vagas, a legenda isolada apresentava até 15 nomes. Mas bastava se coligar a um ou mais partidos para esse total saltar para duas vezes: 20 nomes. A distribuição interna entre os parceiros cabia ao combinado por eles. Está aí uma estratégia interessante para uso das coligações: um partido grande se associa a um pequeno e aumenta seu volume de candidatos.

O fim desse tipo de acordo não veio isoladamente. Tivemos a cláusula de desempenho, a vigorar em 2018 com base nos resultados do pleito de deputado federal. Se o primeiro objetivo do congressista era acabar com as distorções das coligações, a redução do total de partidos também estava no radar. Mas aqui a cláusula parece mais eficiente que o fim das alianças. Ao menos com base no que temos a partir dos pleitos municipais.

Em 2016 uma média de quase 14 partidos disputou as eleições proporcionais em cada cidade. Eles estavam distribuídos em pouco mais de 4,5 chapas por município compostas por uma média de três partidos cada. E o que houve agora? O total de partidos por cidade caiu pela metade: foi a 7,3 em 2020. A pandemia pode ter contribuído para desarticular legendas, mas podem ter restado, nas realidades locais, apenas quem fazia sentido sob a nova ordem legal. E o que houve com os partidos? Todos, com exceção a PCO e Novo, que possuem penetração baixa no total de municípios do país, diminuíram suas presenças locais. Dos oito partidos mais presentes nas cidades em eleições proporcionais esse ano, todos reduziram o total de municípios onde lançaram vereadores a totais muito menores que aqueles registrados no ano 2000. A medida, assim, desoxigenou o quadro partidário de forma generalizada.

E já que não existem mais coligações, o que houve com o resultado das legendas? Se a redução da presença nas cidades foi generalizada, o que se podia esperar ocorreu. Responsáveis por lançar chapas próprias, e buscando ao máximo as completar para angariar votos, o total de candidatos por legenda até aumentou em muitos casos - mas aquela média de 92% de vereadores eleitos por coligações, obviamente, foi a zero. Dessa forma, a despeito de aspectos conjunturais e do resultado de cada legenda, o que se viu foi uma distribuição menos desigual das vagas nas Câmaras brasileiras. O desvio padrão das cadeiras conquistadas pelas legendas em 2020 é semelhante àquele de 2012, e pouco menos concentrado que o registrado em 2016. Em 2004 e 2008 a concentração dessas vagas nos grandes partidos era sensivelmente maior. Ou seja: o fim das coligações em eleições proporcionais corrigiu a distorção do desejo do eleitor, mas definitivamente não impactou, ao menos por enquanto, na redução de legendas - algo que fará mais sentido a partir de 2022, quando atuará em conjunto com o novo degrau da cláusula de desempenho. Humberto Dantas é doutor em ciência política e head de educação do Centro de Lideranças Políticas (CLP)