Valor econômico, v. 21, n. 5133, 23/11/2020. Internacional, p. A13

 

G20 busca garantir vacina aos mais pobres

Assis Moreira

23/11/2020

 

 

Para os líderes das maiores economias desenvolvidas, nações ricas devem arcar com os custos

Os líderes das maiores economias desenvolvidas e emergentes, reunidos no G20, prometeram “'não poupar esforços”' para fazer as vacinas contra covid-19 disponíveis e acessíveis para todos globalmente, e para recolocar a economia “'no caminho para restaurar o crescimento”'.

Na cúpula virtual, presidida pela Arábia Saudita, no sábado e domingo, o foco sobre a distribuição de vacinas para países em desenvolvimento se impôs na agenda, em meio a resultados positivos dos laboratórios Pfizer e Moderna, por exemplo.

A cúpula terminou recheada de boas intenções, reconhecimento de que é preciso ação global para atacar o vírus, mas ninguém ignora o peso dos egoísmos nacionais. “Estaremos pronto para garantir o acesso em escala planetária e evitar a todo preço o cenário de um mundo a duas velocidades, onde apenas os mais ricos poderiam se proteger do vírus e retomar uma vida normal?”, indagou o presidente da França, Emmanuel Macron.

Com apenas 13% da população mundial, os países ricos encomendaram mais da metade das doses das principais vacinas em estudo, segundo cálculos da ONG Oxfam. Na cúpula virtual, a França foi um dos países que se comprometeu a pagar por vacinas para nações mais pobres.

“'Estou contente que os líderes do G20 concordaram em fazer vacinas contra covid-19 disponíveis e acessíveis para todos, mas mais dinheiro é necessário”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Houve apoio geral à iniciativa Covax, um pool de compra de vacinas, elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O mecanismo necessita de US$ 4,2 bilhões até o fim deste ano para o plano de distribuir dois bilhões de vacinas até dezembro de 2021. Pela iniciativa, países ricos e de renda média como o Brasil pagam pela vacina. Mas as nações mais pobres receberão de graça. Uma questão é quando.

Oxfam calcula que, mesmo se as cinco principais vacinas em desenvolvimento forem bem sucedidas, quase dois terços da população mundial não terá a vacina pelo menos até 2022.

O presidente chinês Xi Jinping prometeu que Pequim “vai honrar o compromisso de dar assistência e apoio a outros países em desenvolvimento para fazer das vacinas um bem público mundial acessível e disponível no mundo”. Vladimir Putin, da Rússia, disse que seu país está pronto a compartilhar suas vacinas por “considerações humanitárias”.

A UE propôs um tratado internacional sobre pandemias, para prevenir futuras crises como agora e reagir mais rapidamente.

Os líderes do G20 constataram que a economia global, depois de ter sofrido forte contração em 2020 por causa do impacto da covid-19, voltou a melhorar à medida que a abertura dos negócios e efeito de programas de apoio se fizeram sentir. No entanto, constatam que a recuperação é desigual, altamente incerta e sujeita a riscos elevados, incluindo aqueles levantados por novos surtos do vírus em algumas economias, com alguns países retomando medidas sanitárias restritivas.

“Destacamos a urgente necessidade de ter a propagação do vírus sob controle, o que é central para apoiar a recuperação econômica global”', afirmaram. Os países do G20 voltaram a se comprometer a continuar a usar todos os instrumentos de política disponíveis para “'salvaguardar vidas, empregos e renda, apoiar a recuperação da economia global e reforçar a resiliência do sistema financeiro”.

Os países confirmaram o alívio da dívida oficial das nações mais pobres. A suspensão de pagamento da dívida poderá eventualmente ser estendida. Os credores privados estão sob pressão para participar da iniciativa.

Depois de três cúpulas do G20 em que não houve consenso sobre mudança climática, por causa da oposição dos EUA com Donald Trump, desta vez os líderes dedicaram uma página e meia do comunicado final a questões ambientais, clima e energia. Foi patente a necessidade de total e efetiva implementação do Acordo de Paris. Para a chanceler alemã Angela Merkel, a pandemia faz governos em todo mundo mais conscientes de que as economias precisam ter desenvolvimento sustentável “e não às custas do meio ambiente”.

Também sem aparente reação dos EUA, que vinha sendo especialmente unilateralista, desta vez o G20 destacou que apoiar o sistema multilateral de comércio é agora mais importante do que nunca. De seu lado, a OMC alertou que o financiamento às exportações e importações para países em desenvolvimento precisa ser restaurado com urgência. A soma necessária “'é muito ampla, nos trilhões de dólares”, segundo o vice-diretor geral da entidade, Alan Wolff. “'Quando as safras não são colhidas e as fábricas ficam paradas no mundo em desenvolvimento, a recuperação global será retardada para todos”, afirmou.

Ele defendeu, também, medidas para os países acelerarem o suprimento de produtos médicos essenciais no mundo. À medida que vacinas e novas terapias vão ser lançadas, barreiras na fronteira devem ser reduzidas.

Os líderes concordaram em tentar um consenso até metade de 2021 para a reforma do sistema tributário internacional, que aumentará a taxação sobre gigantes tecnológicas que hoje jogam uma parte dos ganhos para paraísos fiscais com pouca ou nenhuma taxação.

 O Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês) foi acionado para continuar monitorando vulnerabilidades do setor financeiro, trabalhando sobre “prociclicidade” e solvência, e coordenar medidas regulatórias e de supervisão. Também continua no radar o reforço da resiliência do setor financeiro não bancário. O G20 reafirmou a importância de uma “transição ordenada da Libor” para taxas de referência alternativas antes do fim de 2021.

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Bolsonaro defende sua gestão ambiental

Luísa Martins

Matheus Schuch

Fabio Graner

23/11/2020

 

 

Para presidente, críticas de outras nações à política ambiental brasileira são “ataques injustificados”

Em meio aos problemas de imagem vividos pelo Brasil por sua gestão ambiental, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou a cúpula do G20 (Grupo dos 20 países mais ricos do mundo) para defender seu governo e atacar outros países. Em discurso ontem, classificou as críticas de outras nações à política ambiental brasileira como “ataques injustificados proferidos por nações menos competitivas e menos sustentáveis”. Sem citar nomes.

Bolsonaro enfatizou que mais de 60% do território nacional tem vegetação nativa preservada e disse que trabalhará “sempre para manter esse elevado nível”. E disse que o país é responsável por menos de 3% da emissão de carbono mundial, possuindo a matriz energética mais limpa do G20.

“O que apresento aqui são fatos, e não narrativas. São dados concretos e não frases demagógicas que rebaixam o debate público e, no limite, ferem a própria causa que fingem apoiar”, disse, sem citar a origem dos dados.

O presidente afirmou querer “um futuro de desenvolvimento sustentável”. E ressaltou que tem promovido a abertura da economia. “Estamos construindo um país aberto para o mundo, disposto, não apenas a buscar novos acordos comerciais, mas também a assumir novos e maiores compromissos nas áreas do desenvolvimento e da sustentabilidade”.

Bolsonaro afirmou estar “ciente de que os acordos comerciais sofrem cada vez mais influência da agenda ambiental” e se comprometeu a “continuar protegendo” a Amazônia, o Pantanal e os demais biomas, buscando o “desenvolvimento sustentável em sua plenitude”. Não houve menção aos índices de desmatamento que estão crescendo no país.

Bolsonaro destacou o papel importante da agricultura brasileira no mundo e, na única menção à pandemia da covid-19, disse que, neste período “nossa agropecuária se manteve ativa e crescentemente produtiva” e honrou todos os contratos.

No sábado, Bolsonaro criticou, diante dos líderes dos demais países e sem que o tema estivesse na pauta do G20, a onda de protestos contra o racismo pelo país, após o assassinato homem negro João Alberto Freitas por seguranças de uma unidade do Carrefour em Porto Alegre. Para ele, o caso traz “busca de poder” com “tentativas de importar para o nosso território tensões alheias à nossa história”.

“O Brasil tem uma cultura diversa, única entre as nações. Somos um povo miscigenado. Foi a essência desse povo que conquistou a simpatia do mundo. Contudo, há quem queira destruí-la, e colocar em seu lugar o conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre raças, sempre mascarados de ‘luta por igualdade’ ou ‘justiça social’. Tudo em busca de poder”, disse.

Também no sábado, ele defendeu a não obrigatoriedade de vacinação contra a covid-19. E garantiu que o Brasil está alinhado aos esforços internacionais na busca de vacinas eficazes e seguras contra a doença.

“Apoiamos o acesso universal, equitativo e a preços acessíveis aos tratamentos disponíveis”, disse. “No entanto, é preciso ressaltar que também defendemos a liberdade de cada indivíduo para decidir se deve ou não tomar a vacina”.

A cúpula do G20, organizada neste ano pela Arábia Saudita, ocorreu pela primeira vez de forma virtual, em função da pandemia. Na reunião de ministros de Finanças do G20, na sexta-feira, o ministro Paulo Guedes destacou que a recuperação da economia brasileira, desde o impacto inicial da pandemia em 2020, tem superado as expectativas de organizações internacionais.