O Estado de São Paulo, n.46302, 25/07/2020. Metrópole, p.A24

 

As mulheres à frente da vacina

Fabiana Cambricoli

25/07/2020

 

 

PERFIL - DENISE ABRANCHES, CIRURGIÃ-DENTISTA, PROFESSORA DA UNIFESP E PRIMEIRA VOLUNTÁRIA BRASILEIRA DA VACINA DE OXFORD 

Nos últimos quatro meses, a cirurgiã dentista Denise Abranches não teve folga um dia sequer. Coordenadora da odontologia do Hospital São Paulo, da Unifesp, onde trabalha há 20 anos, ela passou até mesmo seu aniversário de 47 anos, no dia 14 de junho, cuidando de

pacientes com covid na UTI.

Ela trabalha de segunda a segunda, coordenando uma equipe de 25 dentistas e capacitando a área de enfermagem a lidar com esses doentes. É dela a missão de definir os protocolos para a higienização da boca dos pacientes – e isso não é mero detalhe. Quando eles são entubados, há maior risco de lesões bucais, porta de entrada para micro-organismos e de infecções secundárias perigosas.

Nessa jornada, o que mais a abalou não foi o risco de contaminação ao que está exposta nem as UTIS lotadas. Foi ver a morte solitária dos pacientes. O pesar pela situação foi o que a moveu a se voluntariar para participar da pesquisa de possível vacina contra a covid pela Universidade de Oxford.

Denise tornou-se, no final de junho, a primeira brasileira a receber o imunizante em teste, que contará com 5 mil voluntários no País. Assim que soube que a Unifesp participaria da pesquisa britânica e que profissionais da saúde seriam voluntários, foi imediatamente se inscrever. "Eu saí da sala de reunião e, no mesmo minuto, atravessei a rua e fui ao Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) me voluntariar. Não pensei duas vezes. Pra mim não é um sacrifício, é uma forma de contribuir", diz.

Denise tomou a dose do imunizante no dia 23 de junho, por via intramuscular e, desde então, vem preenchendo um diário eletrônico sobre seu estado de saúde. "Tenho que medir a temperatura todos os dias e relatar se tive algum sintoma ou

evento adverso. Até agora está tudo normal". A dentista, como os demais voluntários, não sabe se recebeu o imunizante em teste ou uma vacina contra meningite que está sendo dada aos voluntários do grupo de controle. Nem pesquisadores nem participantes são informados, para que não haja nenhuma influência nos resultados.

Denise encara a decisão como uma obrigação cidadã. "Essa pandemia ressignificou muita coisa para mim e para todos na linha de frente. Não tem como ficar indiferente vendo o que eu vi, por isso considerei como um dever participar da pesquisa", conta.

Dever de ajuda

"Essa pandemia ressignificou muita coisa para mim e para todos na linha de frente. Considerei como um dever participar da pesquisa."