O Estado de São Paulo, n.46302, 25/07/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

Reforma tributária pode aumentar preços de produtos da cesta básica

Adriana Fernandes

25/07/2020

 

 

Tributos. Pelo projeto apresentado ao Congresso, empresas isentas da nova Contribuição Social sobre Operação com Bens e Serviços não poderão mais usar créditos para compensar o pagamento de outros impostos; para Receita, medida evita aumento de alíquota

A proposta de reforma tributária do governo manteve a isenção de tributos da cesta básica, mas alterou uma regra que pode levar os fabricantes desses produtos a aumentar seus preços, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão. Pelo projeto, as empresas isentas da nova Contribuição Social sobre Operação com Bens e Serviços (CBS) não poderão mais aproveitar créditos gerados ao longo da cadeia de produção para abater outros impostos.

A preocupação de a reforma tributária provocar alta dos preços ao consumidor e aumentar a inflação entrou no radar depois que o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou o projeto do governo para substituir Pis/cofins com alíquota única de 12% – considerada elevada por empresas e acadêmicos.

Se o texto for aprovado da forma como está, as empresas que fabricam produtos que têm isenção, como os da cesta básica, terão de devolver esse crédito ao Fisco – estornar, na linguagem técnica. Esse tipo de crédito funciona, na prática, como dinheiro e é usado pelas empresas para abater o pagamento de outros tributos devidos à Receita.

A intenção do governo era acabar com a desoneração dos produtos da cesta básica, com a promessa de que parte do aumento da arrecadação seria devolvida aos mais pobres por meio do Renda Brasil, um novo programa de distribuição de renda. Na última hora, porém, o governo desistiu da proposta, mas acabou com a possibilidade de uso de créditos tributários.

A Receita não quis comentar o risco de as empresas aumentarem os preços e informou que a regra proibindo o aproveitamento do crédito foi pensada para limitar o benefício de isenção à etapa de produção do produto. Segundo o Fisco, a regra diminui a abrangência do benefício, evitando a necessidade de aumento da alíquota geral da CBS para além dos 12%.

"É um tiro no pé", diz Vinicius Jucá Alves, sócio da área tributária da Tozzini Freire Advogados. A consequência, segundo o especialista, será um aumento da carga tributária sobre esses produtos, que pode ser repassado para o consumidor final. Alves dá como exemplo um fabricante de massa que compra farinha de trigo, produto isento, mas também precisa de outros insumos e equipamentos que não têm isenção. Sem poder usar o crédito para abater os impostos, o fabricante tende a incluir no preço final os 12% que pagou do novo imposto sobre esses itens.

"No modelo atual, empresa que vende um produto isento tem direito a manter o crédito do Pis/cofins para compensar com Imposto de Renda e outros tributos", explica. "Esse crédito, que era dinheiro para a empresa, vai ter de ser jogado fora."

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas, afirmou que o setor está analisando o impacto da proposta. Segundo ele, a carga tributária média sobre os alimentos, incluindo os da cesta básica, é de 23% – "uma das maiores do mundo", quando comparada a de países com desenvolvimento similar ao do Brasil, como México e Turquia. Ele diz que a média internacional é da ordem de 7%. "Não podemos esquecer que alimento é essencial e tem impacto direto na renda das famílias brasileiras."

Para Luca Salvoni, sócio da área tributária do escritório Cascione Pulino Boulous, a nova norma pode implicar aumento de carga se comparada à carga atual de Pis/cofins (a alíquota atual é de 9,25%). "Poderá ser verificado um aumento da carga final do produtor de itens da cesta básica, considerando a impossibilidade de manutenção dos créditos decorrentes da venda desses produtos", diz ele.

Já o advogado tributarista Luiz Gustavo Bichara, sócio da Bichara Advogados, considera que o problema da regra foi feita para aumentar a arrecadação da nova contribuição proposta pelo governo. "É uma estratégia para aumentar a arrecadação, mas gera aumento (de preço) ao consumidor porque o custo do insumo que não gerou o crédito vai para o preço."

Peso no bolso

23%

é a carga tributária média sobre alimentos, incluindo os da cesta básica, no Brasil, de acordo com a Associação Brasileira da Indústrias de Alimentos. A média mundial é de 7%.