O Estado de São Paulo, n.46304, 27/07/2020. Política, p.A10

 

Moro diz que foi 'usado' pelo governo Bolsonaro

Matheus Lara

27/07/2020

 

 

Segundo ex-ministro, sua presença era uma 'desculpa' para mostrar preocupação com agenda anticorrupção

O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro disse em entrevista ao jornal britânico Financial Times que o governo do presidente Jair Bolsonaro usou sua presença na equipe ministerial como "desculpa" para mostrar que medidas anticorrupção estariam sendo tomadas. Segundo o ex-juiz da Lava Jato, no entanto, o governo não vinha se empenhando e essa agenda de combate à corrupção passou a sofrer uma série de derrotas.

"Uma das razões para eu sair do governo foi que não estava se fazendo muito (pela agenda anticorrupção)", afirmou Moro à publicação. "Eles estavam usando minha presença como uma desculpa, então eu saí. A agenda anticorrupção tem sofrido reveses desde 2018."

A publicação lembrou que a saída de Moro do Ministério da Justiça foi marcada pela acusação de que Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal. Um inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) investiga as declarações do ex-ministro.

"Ele (Bolsonaro) mudou o diretor da Polícia Federal sem pedir minha opinião e sem uma boa causa. Não acho que dá para combater corrupção sem respeitar a lei e a autonomia das instituições que investigam e denunciam crimes", declarou.

Centrão. Moro também comentou a aproximação de Bolsonaro com as legendas do Centrão, classificado pelo FT como "controverso bloco de partidos conhecidos por oferecer apoio em troca de cargos políticos". "No começo, o governo parecia evitar esse tipo de prática, mas, hoje em dia, eu não tenho tanta certeza."

Na semana passada, o Estadão mostrou que um dos motivos que fizeram integrantes do Centrão se aliarem a Bolsonaro é justamente o medo de uma possível candidatura presidencial de Moro em 2022.

Sem um candidato próprio na direita ou mesmo da centro-direita, o grupo teme que um eventual afastamento de Bolsonaro fortaleça a eleição do ex-ministro caso Bolsonaro tenha o mandato interrompido. Quando era juiz da Lava Jato, Moro foi algoz de vários dirigentes do bloco partidário.

Questionado sobre o vazamento de mensagens atribuídas a ele a procuradores da Lava Jato à época em que ele era o juiz responsável pela operação em Curitiba, Moro reafirmou que não reconhece a autenticidade das mensagens, que foram divulgadas pelo site The Intercept Brasil. "Não havia nada lá que pudesse comprometer o caso."