Correio braziliense, n. 20968, 20/10/2020. Brasil, p. 5

 

Vacina: queda de braço sobre obrigatoriedade

Ingrid Soares 

Natália Bosco 

20/10/2020

 

 

O Brasil registrou 271 mortes em decorrência do novo coronavírus nas últimas 24 horas, totalizando 154.176. No mesmo intervalo, foram notificadas 15.383 infecções da covid-19. Ao todo, o país tem 5.250.727 casos. Para frear a doença, a vacina chinesa CoronaVac é a aposta do governador João Doria (PSDB), que precisou voltar atrás, ontem, em promessa feita no mês passado. Produzido pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, o imunizante se mostrou seguro em testes e não apresentou efeitos colaterais graves, mas ainda precisa comprovar sua eficácia. Em setembro, Doria afirmou que a Coronavac estaria disponível para a população de São Paulo em dezembro de 2020, mas para que isso aconteça, os resultados da última fase de testes em humanos devem ser entregues à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Agora, o governo já não confirma que a vacina estará disponível na data prevista inicialmente. "As perspectivas são relativamente otimistas, mas não podemos dar uma data precisa de quando isso vai acontecer", explicou o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, em coletiva.

Em mais um dia de embate, Jair Bolsonaro voltou a criticar o governador de São Paulo sobre a declaração acerca da obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19 no estado. Ontem, o presidente afirmou que a Constituição não prevê tal medida e que cabe a cada brasileiro decidir. "Meu ministro da Saúde já disse que não será obrigatória essa vacina e ponto final", disparou, com base em lei de 1975. Ao tucano, seu desafeto, Bolsonaro chamou-o ironicamente de "médico do Brasil".

"Tem um governador que está se intitulando o médico do Brasil, dizendo que a vacina será obrigatória, e não será. Da nossa parte, quando estiver em condições, depois de aprovada pelo Ministério da Saúde, com comprovação científica e validada pela Anvisa, aí, ofereceremos ao Brasil de forma gratuita. Mas repito, não será obrigatória", ressaltou.

Mais tarde, durante evento de anúncio do resultado de um estudo clínico sobre o novo coronavírus no Planalto, Bolsonaro repetiu que a imunização não será compulsória. Ele atacou indiretamente Doria, dizendo que "quem tem propagado isso, aí, com toda certeza, é uma pessoa que pode estar pensando em tudo, menos na saúde ou na vida do próximo", disparou.

Bolsonaro também criticou o custo unitário das vacinas, comparando a CoronaVac com a vacina de Oxford, desenvolvida em parceria com o governo federal. De acordo com ele, por parte do governador, a unidade da vacina sai a mais de US$ 10. Já a que o governo busca, custaria menos de US$ 4.

"Não quero acusar ninguém de nada aqui, mas a pessoa está se arvorando e levando terror perante a opinião pública, quando, hoje em dia, pelo menos, metade da população diz que não quer tomar essa vacina. Isso é um direito das pessoas. Ninguém pode, em hipótese alguma, obrigá-las a tomar essa vacina. Então, o governo federal, eu repito, não obrigará ninguém a tomar essa vacina", indicou.

Após a fala do presidente, Doria disse que "o Brasil precisa de paz, amor e vacina para salvar os brasileiros. Entendo que a vacina deve ser aplicada a todos os brasileiros, para salvar a vida de todos". O tucano ainda rebateu a crítica de Bolsonaro. "Queria agradecer ao presidente Bolsonaro me qualificando como médico do Brasil. Eu confio nos médicos do Brasil, isso só me distingue, porque acredito na medicina e nos médicos e é isso que temos feitos nestes meses", salientou.

Politização

O professor de Ciência Política da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Geraldo Tadeu analisou que é uma atitude comum de estratégia do governo Bolsonaro politizar questões que possam colocar o presidente em confronto com outros possíveis candidatos à Presidência. O professor explicou que o confronto entre os políticos pode criar mais confusão na comunicação e informação da população, o que afeta a própria política pública. "Nós temos um Sistema Único de Saúde (SUS) coordenado pelo governo federal. Se o governo federal não coordena, nós vamos ter uma vacinação mais frágil, que alguns estados não vão receber, outros vão, São Paulo talvez receba mais".

Segundo ele, ao se posicionar contra a obrigatoriedade da vacinação, Bolsonaro tenta mostrar que defende a liberdade do cidadão. "Mas essa é uma visão totalmente ultrapassada. Hoje em dia, todo mundo sabe que vacinação é obrigatória por uma questão comunitária. Ele faz isso de forma política, é mais uma tentativa de negar a importância da pandemia", pontuou.

A infectologista do Hospital Águas Claras, Ana Helena Germoglio, informou que ainda não é possível dizer os efeitos que a vacina terá para a contenção da pandemia. "Vai ajudar a controlar a pandemia? Provavelmente, sim. O fato é: a gente não pode achar que só com a vacina teremos a resolução de tudo".

Em 14 de outubro, o Ministério da Saúde apresentou um cronograma que previa o início da vacinação contra o novo coronavírus para abril de 2021. O governo federal analisa nove opções de vacinas em estudo, mas a Coronavac estaria fora da lista. Doria se reúne amanhã com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e com a presidência da Anvisa, para discutir a inclusão da CoronaVac no Programa Nacional de Imunização.

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Governo sustenta eficácia de vermífugo 

Edis Henrique Peres

20/10/2020

 

 

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), afirmou, ontem, em coletiva de imprensa, que o medicamento nitazoxanida, vermífugo cujo nome comercial é Annita, é eficaz no tratamento da covid-19. A responsável pelo Estudo Clínico do MCTI, Patrícia Rocco, doutora e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que a pesquisa foi feita no modelo duplo-cego, ou seja, nem médico nem paciente sabiam qual medicação estava sendo utilizada.

Para Marcos Pontes, ministro da MCTI, encontrar o medicamento significa diminuir o contágio. "Podemos ajudar a reduzir o problema, o medicamento é de baixo custo, ele não tem efeitos colaterais sérios, ou seja, é seguro usar", disse. No entanto, ressaltou que a nitazoxanida não pode ser usada para prevenção, pois não é profilático, e deve ser usado apenas depois da detecção do vírus.

Os voluntários foram divididos em dois grupos, um recebeu placebo, o outro, a nitazoxanida. "A nitazoxanida, em comparação com o placebo, acarretou, ao final da terapia, redução significativa da carga viral em um maior número de pacientes", declarou a pesquisadora.

Segundo o estudo, nitazoxanida apresentou 94% de capacidade de inibir o novo coronavírus em laboratório. A redução da carga viral apresentada pelo medicamento "implica em menor gravidade (da doença) e em menor transmissibilidade do vírus", sustentou Patrícia.

No entanto, outros detalhes do estudo não foram disponibilizados, pois, segundo a pesquisadora, os resultados do estudo estão embargados para uma revista internacional que exige o ineditismo para publicação.