Valor econômico, v. 21, n. 5134, 24/11/2020. Brasil, p. A2

 

Falhas múltiplas levaram a apagão no Amapá, aponta relatório do NOS

Rafael Bitencourt

24/11/2020

 

 

Documento compara problema a queda de avião, quando vários fatores simultâneos cooperam para ocorrência

O blecaute que atingiu o Amapá na noite de 3 de novembro - e que ainda limita o atendimento de energia no Estado - está relacionado a uma “contingência múltipla” que afetou por completo o funcionamento da subestação de Macapá, onde um dos equipamentos explodiu em uma tempestade. O Relatório de Análise de Perturbação (RAP), elaborado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), registra um conjunto de falhas das usinas e da rede de distribuição que suprem o Estado.

O RAP, ao qual o Valor teve acesso, ainda será submetido às últimas revisões, mas reforça as constatações preliminares de que a subestação de Macapá poderia entrar em colapso a qualquer momento.

A contingência múltipla mencionada na conclusão do relatório remete a comparação do blecaute no Amapá à queda de um avião comercial - tragédia que não é determinada por apenas um fator, mas pela combinação de vários. O exemplo foi usado num primeiro momento pelo comando da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para explicar o ocorrido.

Nas conclusões, o operador destaca que já iniciou os estudos, junto com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), para propor uma solução definitiva para o atendimento do Estado. “O ONS e a EPE estão avaliando possíveis alternativas para a ampliação da confiabilidade do atendimento às cargas de Macapá atualmente supridas pela SE Macapá e pela UHE Coaracy Nunes, considerando, para esse fim, a topologia da rede e a disponibilidade de geração local”, registra.

A subestação instalada na capital é a única entrada de energia elétrica no Estado. A concessionária Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE) pertence à Gemini Energy que, por sua vez, é controlada por fundos de participação geridos pela Starboard, com fatia de 80%, e pela Perfin, com 20%. O grupo assumiu o empreendimento no fim do ano passado, após reestruturação do grupo espanhol Isolux Corsán.

Procurada pelo Valor, a Gemini Energy não quis comentar o assunto. A empresa, apesar de ser responsável pela operação e manutenção da rede, está apoiada nos comunicados enviados ao ONS sobre as condições nas quais recebeu a linha e sobre o plano de manutenção e troca de equipamentos que assumiu da Isolux. A subestação operou conforme critério de segurança denominado N-1, que não tem corte em caso de falha no equipamento.

Com essa postura, a concessionária acaba direcionando parte da pressão que tem recebido para o ONS, responsável pela operação e análise de risco envolvidos, e para a Aneel, em seu papel de fiscalizar as instalações de transmissão, assim como de geração e distribuição.

No relatório, o ONS reconhece que a subestação de Macapá operava somente com dois dos três transformadores no momento do blecaute. Com isso, a rede funcionava sem o equipamento de backup por problema com o transformador TR2.

Agora, a análise do operador do sistema elétrico brasileiro demonstra que foi detectado, depois do blecaute, um problema de “bucha danificada” em um dos dois transformadores em operação, o TR3. O relatório indica que foi justamente a explosão de uma bucha como essa que levou à indisponibilidade do TR2 no fim de 2019.

O transformador TR1 foi o equipamento que atuou como um gatilho para o apagão no Amapá. A falha começou com um curto-circuito às 20h48, registrado pelo ONS com precisão de milésimos de segundo. Houve, então, a explosão desse transformador, seguida de incêndio.

O documento reconstitui a sequência de “perturbações” na operação do sistema que se estendeu por quase 24 horas. O problema na subestação provocou “degradação da frequência e tensão neste sistema”. Isso provocou o desligamento de uma das turbinas da hidrelétrica Coaracy Nunes. Outra unidade de geração da usina recebeu uma sobrecarga e também desligou, o que “culminou com o colapso total das cargas do sistema Amapá” relacionados à subestação de Macapá.

Com a distribuidora local, a CEA, o operador registrou falha nas subestações da Equatorial e Santana. Houve ainda a necessidade de deslocamento de equipes para a SE Portuária para verificação do funcionamento de disjuntores. O relatório informa, porém, que houve “diversas tentativas de ligação telefônica” sem sucesso da representação regional do ONS para a distribuidora, pelo sistema chamado “hot line”.

Questionado sobre o teor do relatório, o ONS se limitou a responder que trabalhou com agilidade para formular a minuta do documento no menor prazo possível. Com isso, o operador informou que foi possível reduzir o prazo de 15 para cinco dias úteis contados a partir da primeira reunião com as autoridades do setor para tratar das causas do blecaute. A Aneel não quis comentar.

Na madrugada de ontem, novas panes no sistema de fornecimento de energia do Amapá foram registradas. Moradores de bairros da capital registraram uma sequência de curto-circuitos em postes da CEA, que confirmou a autenticidade das imagens divulgadas nas redes sociais. As falhas ocorreram dois dias após a visita do presidente Jair Bolsonaro, que fez a entrega oficial de geradores e assinou medida provisória para garantir o benefício de isenção na conta de luz dos amapaenses.