Valor econômico, v. 21, n. 5135, 25/11/2020. Brasil, p. A6

 

Anvisa rejeita teste de covid-19 com o vencimento alterado

Murillo Camarotto

25/11/2020

 

 

Associação estima perda de cerca de 15 milhões de exames

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vem se manifestando nas últimas semanas contra a distribuição e o uso de testes de covid-19 com data de vencimento alterada. A discussão, no entanto, é complexa e já está indo parar nos tribunais. No último dia 12, a diretoria colegiada da agência reguladora rejeitou pelo menos três pedidos para o uso desses produtos, em um sinal de que o número de testes passíveis de serem perdidos pode ser bem maior do que os 6,8 milhões já identificados num armazém do Ministério da Saúde no município de Guarulhos (SP).

Em reuniões recentes com a Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial, a Anvisa tomou conhecimento de uma estimativa de que até 15 milhões de testes correm risco de serem inutilizados por problemas com a data de validade. Ontem, o presidente da entidade, Carlos Gouvêa, confirmou a projeção em um manifesto distribuído a agentes do setor.

Na segunda-feira, após virem a público as informações sobre os kits de testes com validade entre dezembro e janeiro, o Ministério da Saúde informou que aguardaria resultados de estudos de estabilidade estendida que pudessem viabilizar a prorrogação da data de vencimento dos exames.

Não é a primeira vez que isso ocorre. Recentemente, a Anvisa autorizou a atualização de registros de testes, com a consequente ampliação da data de validade, de seis para 12 meses. Isso acontece após o laboratório responsável atestar, baseado em novos estudos, a durabilidade do produto.

O problema é que a decisão só vale para novas importações, ou seja, produtos que já estejam em estoque não podem ser utilizados. Isso porque o processo de remarcação das embalagens pode acarretar em uma série de riscos para a confiabilidade dos testes.

No último dia 9, a Procuradoria-Geral junto à Anvisa emitiu um parecer em que deixa clara a posição da agência. O documento, ao qual o Valor teve acesso, trata de um pedido feito pela importadora VR Medical, que trouxe da China vários lotes de testes do tipo IgG e IgM, voltados à detecção de anticorpos da covid.

Quando os registros foram concedidos pela Anvisa, em março, a data de validade foi definida em seis meses. Em junho, com base em novos estudos de estabilidade, a empresa pediu a extensão para 12 meses e foi plenamente atendida pela agência.

Foi negada, entretanto, a solicitação para que os lotes fossem manuseados pela empresa, a fim de atualizar datas. Técnicos da Anvisa alegaram a “possibilidade de complicações advindas da inadequada execução do retrabalho, por empresa que não faz parte do sistema de qualidade do fabricante”.

Diante disso, a VR Medical solicitou, em caráter excepcional, que a mudança fosse aprovada por meio de ofício, “com ampliação interpretativa da validade”, ou seja, sem a necessidade de adequação de todos os rótulos. O pedido também foi rejeitado.

A Anvisa lembrou que a data de validade é informação obrigatória nas embalagens e que, para além dos riscos de manuseio, a legislação proíbe a remarcação. “Claramente, o pleito de retrabalho não possui suporte legal”, concluiu a procuradoria.

A empresa foi aos tribunais. O juiz substituto Marcos José Brito Ribeiro, da 13ª Vara Federal de Brasília, rejeitou um mandado de segurança pelo qual a VR Medical pedia autorização para o fornecimento de sete lotes de testes com os prazos de validade “supostamente expirados”.

Na peça, a empresa alega que o entendimento da Anvisa, “além de ilegal e equivocado, apresenta um efeito desastroso para o cenário atual de combate à pandemia”. O juiz, ainda assim, não enxergou motivos para conceder a liminar. Procurada, a VR Medical não havia se manifestado até a conclusão desta edição.

A diretoria da Anvisa já se manifestou recentemente em outros pedidos semelhantes. Na reunião do dia 12, o colegiado rejeitou outros dois pedidos para readequação das datas de validade de testes de covid-19, encaminhados pelas empresas Oltramed e 1000Medic Distribuidora.