Título: Taxa de inscrição do Iceam pode ser ilegal
Autor: Lacerda, Maryna
Fonte: Correio Braziliense, 26/03/2013, Economia, p. 8

Especialistas ouvidos pelo Correio afirmam que, por ser empresa privada, Instituto deveria contratar por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e não por concurso

A cobrança da taxa de inscrição para o processo seletivo do Instituto Científico Educacional de Assistência aos Municípios (Iceam.gov) pode ser ilegal, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio. O fato de ser uma empresa privada — conforme o próprio instituto se identifica — desautoriza a exigência de pagamento para pleito das vagas e leva a crer que os candidatos foram induzidos ao erro, o que, inclusive, caracterizaria estelionato. Na primeira versão do edital do concurso, o Iceam.gov afirmou ser um órgão público “ligado diretamente ao governo federal, sem qualquer vínculo com ministérios”. No entanto, no site da Fundação Solidariedade (Fundaso), banca responsável pela realização do certame, o instituto se identifica como empresa privada que mantém parceria com entes públicos.

A realização de processos seletivos por empresas privadas não é ilegal, mas o que parece anormal é cobrar para que os candidatos se submetam à concorrência, na avaliação do advogado tributarista especializado em licitações Sérgio Palomares. “Não conheço a natureza do Iceam.gov, mas se confirmada como sendo genuinamente privada, ela não comporta tais métodos”, diz.

Além disso, Palomares explica que o fato de o instituto, em tese, manter relação com o Poder Público não muda a natureza jurídica dele. Assim sendo, o simples fato de ter contratos com o governo não é argumento suficiente para utilizar os meios de seleção com quem se relaciona. “É como se uma empresa contratada pelo governo para construir uma estrada recrutasse seus funcionários por meio de concurso”, exemplifica. Segundo o advogado, o regime de contratação adequado seria por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Também por não integrar a estrutura da Administração Pública, conforme afirma o Ministério do Planejamento, a utilização do brasão da República é considerada inadequada. A suspeita de uso irregular está sob a mira do Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF) e da Polícia Federal. Se confirmada, constitui-se crime de uso indevido de símbolo da Administração Pública.

Ontem, o relatório do MPF-DF foi remetido ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para que seja avaliada, na esfera cível, a existência do Iceam.gov. A Promotoria de Justiça de Tutela das Fundações e Entidades de Interesse Social do MPDFT acolheu a denúncia e deve dar prosseguimento ao inquérito. A Polícia Federal, por sua vez, foi notificada das denúncias e também seguirá às investigações.

Vaivém A Fundação Solidariedade (Fundaso) se manifestou quanto às suspeitas, por meio de nota de esclarecimento divulgada em seu site. Nela, a entidade voltou atrás na hipótese de anulação do processo seletivo para o Iceam.gov. A banca examinadora afirmou que pretende dar prosseguimento ao concurso, que prevê preenchimento de 432 vagas para cargos que não foram especificados em edital. No entanto, no domingo, o Correio entrou em contato com o gestor da Fundaso, Samuel Pereira. Por telefone, ele admitiu o risco de cancelamento do certame.

No documento, a Fundaso confirma que “pretende dar continuidade até o final das inscrições e finalmente realizar as provas, objetivando o preenchimento das vagas” (sic). Como se não bastassem os erros gráficos, o documento orienta de forma duvidosa os procedimentos de ressarcimento das inscrições e não se furta ao tom dramático. O texto apresenta o seguinte trecho: “todavia, qualquer candidato que pretende cancelar a sua inscrição, não desejando dar um crédito de confiança à Fundaso, poderá requerer a devolução da quantia paga à inscrição, através do PagSeguro ou diretamente a Fundaso, mediante o preenchimento de formulário específico”, (sic). Não há, contudo, menção de prazo para a devolução dos valores pagos.

Assim que ficou sabendo da suspeita de fraude sobre o certame para o Iceam.gov, Tamara Frassa, 30 anos, moradora de Florianópolis, tentou reverter o pagamento da inscrição com o sistema PagSeguro. Foi informada, porém, de que o pedido deveria partir da Fundaso. A mulher tentou contato com a fundação, mas os números para os quais ligou estavam programados para não receber chamadas. “Agora eu não sei como vou pedir cancelamento se a Fundaso for empresa de fachada”, conta. Apreensiva, Tamara tem medo da divulgação de seus dados pessoais e bancários. “Agora eles têm meu CPF, meu RG e o número do cartão de crédito. Tenho medo de que façam algo ruim com as informações em mãos”, diz.

» Senhas bancárias

Enquanto as investigações estão em andamento, a sugestão do presidente da Comissão e Fiscalização de Concursos Públicos da OAB-DF, Fernando Bontempo, é alterar todas as senhas bancários. Para isso, é preciso entrar em contato com as operadoras de cartão de crédito e bancos. Quanto à salvaguarda dos dados pessoais, ele sugere o registro de ocorrência policial por divulgação indevida de dados. Se confirmadas as suspeitas, o candidato deve acionar a Justiça e pedir indenização por danos que vier a ter e reembolso das taxas.