Título: Ondas de desconfiança
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 26/03/2013, Economia, p. 11

O acordo que garantiu o socorro de 10 bilhões de euros ao Chipre não diminuiu o mau humor dos principais mercados do planeta, que fecharam o pregão de ontem no vermelho. A Bolsa de Frankfurt perdeu 0,51%; nos Estados Unidos, Nova York encolheu 0,44%. No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (BMF&Bovespa) registrou queda de 0,77% e terminou o dia aos 54.822 pontos — o quinto pregão consecutivo com resultado negativo.

O mercado financeiro celebrou o acordo entre o Chipre e a Troika — grupo formado pelo Banco Central Europeu (BCE), pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela União Europeia —, mas declarações do presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, deixaram preocupações. Segundo ele, o modelo de socorro usado no Chipre poderá ser implementado em outros países com situação semelhante. A afirmação causou mal-estar entre os investidores e levantou suspeitas de que mais economias e bancos estão com a saúde financeira comprometida e podem ser obrigados a pedir ajuda.

O temor de especialistas é que haja uma corrida bancária em uma próxima situação de risco, sobretudo, se os problemas estiverem localizados em Espanha, Portugal e Itália. Analistas acreditavam que os problemas na Europa estavam ao menos temporariamente apaziguados, mas especula-se que bancos dessas três economias estejam em situação complicada e que em breve devem pedir socorro à Troika.

O Chipre, segundo as autoridades europeias, vai introduzir controle de capital para evitar uma forte saída de dinheiro quando os bancos do país voltarem a funcionar, na quinta-feira. O presidente cipriota, Nicos Nastasiades, afirmou que essas medidas serão temporárias. Além disso, o Chipre se viu obrigado a fechar o segundo maior banco do país. Com isso, deve garantir apenas os depósitos de até 100 mil euros, o que causará perdas para investidores que têm recursos acima desse valor. Apesar do socorro, a economia do Chipre ficou seriamente prejudicada, sobretudo porque os problemas expostos nessa crise fizeram secar canais de crédito que financiavam o país, além de ter afugentado investidores, sobretudo os russos.

Diante desse cenário, o mercado perdeu o apetite pelo risco e passou a comprar dólares como forma de garantir liquidez e se proteger. No Brasil, o desempenho do mercado foi pautado pelo Chipre e pelo comportamento das ações da Vale, que correspondem a 12% do Ibovespa, o principal indicador da bolsa brasileira. As ações preferenciais da mineradora derreteram 1,20% e as ordinárias, 0,81%. Com os investidores comprando dólares para se proteger, a divisa continuou a se valorizar frente o real e manteve-se acima dos R$ 2 — fechou o dia com alta de 0,15%, cotada a R$ 2,014 na venda. Para analistas, o Banco Central deve intervir no câmbio apenas caso o mercado teste níveis mais elevados.

Panos quentes O comissário europeu encarregado dos Serviços Financeiros, Michel Barnier, procurou tranquilizar a situação dizendo que não acredita “que existam no mercado único situações da mesma natureza como a do Chipre”. Apesar disso, críticos do modelo econômico europeu alertam que é preciso uma união bancária que rateie os problemas financeiros entre todos os países integrantes do bloco. Essa possibilidade, porém, encontra resistência da Alemanha e da França.